Principal expoente da ala verdadeiramente liberal do governo federal, o ministro da Economia, Paulo Guedes, aparenta certa instabilidade e impaciência nas últimas semanas, como indica a série de declarações desastradas que depois o forçaram a vir a público para explicá-las ou pedir desculpas. É possível concluir que o destempero de Guedes tenha origem no sentimento de frustração que o acomete por não ter apoio sólido e explícito do Planalto para suas iniciativas, como foi na reforma da Previdência, conduzida em grande parte pelo Congresso, e agora com a administrativa.
O ministro deveria ser o esteio da credibilidade do governo, mas hoje, desamparado, parece assentado em terreno arenoso
A hesitação do presidente Jair Bolsonaro em enviar para o Congresso a matéria destinada a rever remunerações e carreiras do funcionalismo, somada às derrapadas do ministro, desembocam na insegurança e no nervosismo materializados em indicadores como o câmbio. É verdade que existe um movimento global de valorização do dólar, mas é sobre o real que a moeda americana vem ganhando mais força. Na sexta-feira, fechou a R$ 4,39, alta de 9,4% no ano.
Bolsonaro e seu núcleo ideológico insistem em despender mais tempo e energia criando crises e sobressaltando o país com disparates quase diários, em vez de arregaçar as mangas para buscar soluções para os verdadeiros problemas do Brasil. Com uma articulação no Congresso cada vez mais pífia, cresce a desconfiança em relação às chances de as reformas administrativa e tributária de fato avançarem no parlamento antes de deputados e senadores abandonarem Brasília, ao final do primeiro semestre, para tratarem das eleições municipais em suas bases. Seria um desastre. Com a verborragia que nada constrói e a escalada de conflitos com os demais poderes e instituições, toma corpo o sentimento de que medidas basilares para o país ficam em segundo plano nas prioridades do Planalto, com possíveis reflexos nefastos, como um crescimento menor do que se esperava para a economia doméstica em 2020.
Os humores do ministro refletem as vacilações, os desequilíbrios e a inabilidade do Planalto em estabelecer uma convivência produtiva mínima com o mundo político. A adesão do Planalto a ideias fora de propósito, como convocar manifestações de rua para demonstrar força, apenas fragiliza ainda mais a governabilidade e estica a corda da tensão social. Aproxima-se a hora de Bolsonaro decidir se tenta vestir outra vez o figurino liberal e busca melhorar a articulação com o Congresso ou cede definitivamente aos seus instintos corporativistas e autoritários. As últimas sinalizações não são alvissareiras, mas há tempo de uma guinada à racionalidade. Guedes deveria ser o esteio da credibilidade do governo, mas hoje, desamparado, parece assentado em terreno arenoso. Caso o fiador da Presidência perante os principais agentes da economia conclua que seus esforços são inapelavelmente inúteis, não há dúvida de que o desfecho vai levar o país a mais instabilidades e radicalizações.