Mais de um ano depois da posse, uma das principais promessas de campanha do presidente Jair Bolsonaro, a de privatizar em massa empresas estatais, ainda é mais um desejo do que realidade. Como apontou a ex-diretora de Privatização do BNDES Elena Landau em entrevista a Zero Hora nesta semana, o presidente, até agora, só dá a impressão de que é favorável à redução do mamute estatal, sem que de fato assuma as rédeas de um efetivo encolhimento do número de empresas em mãos do governo.
Não haverá modernização e racionalidade na máquina pública se o presidente não assumir pessoalmente o desgaste de enfrentar corporações e seus interesses contrariados com a perda de privilégios
Na terça-feira, o Ministério da Economia anunciou mais um ambicioso plano de desestatização, desta vez para 2020, com meta de arrecadar R$ 150 bilhões. Entre as privatizáveis, está, mais uma vez, a indomável Eletrobras e sua impressionante capacidade de sobrevivência em mãos públicas, apesar de o governo não ter a menor condição de atender às exigências de investimento no setor elétrico. Os Correios, outro campeão de resistência que murcha ano a ano em tamanho e eficiência, teve a privatização postergada, de novo. Apesar dos avanços em desinvestimento em subsidiárias, o governo mantém uma lista de 637 empresas com participação direta e indireta, num anacrônico emprego de recursos públicos em atividades que deveriam ser exercidas pela iniciativa privada – e, se não houvesse interesse, liquidadas pela União.
Ao longo do ano passado, o Planalto anunciou em diferentes ocasiões que havia colocado 17 empresas na fila da privatização, entre elas Correios e Casa da Moeda. O que se viu, porém, foram vendas de subsidiárias da Petrobras e do Banco do Brasil e de participações do BNDES. A privatização em larga escala, que resultaria em mais recursos e liberação de energia para o governo investir onde sua presença é mandatória, como saúde, segurança e educação, ainda não saiu do papel, dos anúncios ou das entrevistas de abnegados defensores de privatizações.
Na prática, por pressões ou escassa convicção, falta ímpeto ao presidente Jair Bolsonaro para tomar a frente da modernização e oxigenação da estrutura pública brasileira. Em torno do ministro da Economia, Paulo Guedes, formou-se um grupo, a começar pelo secretário de Desestatização, Salim Mattar, sobre o qual não pairam dúvidas a respeito da disposição de submeter o regime estatal a uma dieta rigorosa. No entanto, a realidade, passado mais de um ano de governo, demonstra que a alma estatista de Bolsonaro, um ex-deputado reeleito seis vezes graças à defesa do corporativismo, segue bem viva, ao contrário do que fazem crer suas repetidas falas sobre a necessidade de enxugamento de empresas públicas.
Não haverá modernização e racionalidade na máquina pública se o presidente não assumir pessoalmente o desgaste de enfrentar corporações e seus interesses contrariados com a perda de privilégios. No dia a dia, o presidente aparenta ter sucumbido à tentação de seus antecessores de preencher graúdos cargos em estatais com nomes de sua proximidade. Esse reino da fantasia, no qual se concedem benefícios corporativos com recursos públicos, é, de fato, apetitoso. Um dos exemplos é a direção da Itaipu Binacional, que acaba de conceder a todos os funcionários, diretores inclusive, um abono equivalente a
2,8 salários. Com tantas benesses à disposição de uma elite estatal e com tantos círculos de proteção no Planalto, no Congresso e no STF, não surpreende que as privatizações caminhem a passos de tartaruga.