O episódio do chocante assassinato a tiros de três pessoas da mesma família após uma discussão de trânsito no bairro Lami, na Capital, no domingo à tarde, mostra uma sequência de absurdos que escancaram o quanto a legislação e a fiscalização no Brasil são falhas e omissas. Um dos principais aspectos a chamar atenção é como pessoas sem mínimas condições psicológicas de terem posse e porte de armas, ou então de estar atrás de um volante, acabam, por vias irregulares ou legais, mesmo assim transitando municiadas ou obtêm com facilidade uma Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
A ilegalidade e a incompatibilidade podem ser descobertas apenas tarde demais, como no caso do brutal crime que vitimou um casal e seu filho
A triste realidade é que a exigência de posse e de porte de arma, muitas vezes, torna-se inócua na prática. Afinal, não faltam casos de pessoas – não necessariamente bandidos com vasta ficha criminal – flagradas com revólveres, pistolas e outros tipos de armamentos sem estarem legalmente aptas. O sujeito não teme as consequências de ser pego, se é que um dia isso pode acontecer, e os riscos de um descontrole emocional se transformar em uma tragédia tornam-se ainda maiores quando o autor da burla é um desequilibrado. A ilegalidade e a incompatibilidade podem ser descobertas apenas tarde demais, como no caso do brutal crime que vitimou um casal e seu filho. Nas buscas da polícia ao assassino, foi encontrado ainda um revólver calibre 38 sem registro no comércio da família, comprovando uma prática recorrente. Acabar com essa sensação de certeza de impunidade é um passo essencial.
É preciso dar um basta às catástrofes em que se transformam desentendimentos banais de trânsito, que poderiam ser solucionados sem violência, bastando para isso um mínimo de educação e serenidade, além de uma melhor análise para a concessão da CNH. As ruas e estradas brasileiras não podem transformar-se em arenas de duelos de vida ou morte, como mostrou também no domingo o programa Fantástico, da Rede Globo. Apenas no ano passado, morreram assassinadas em brigas de trânsito 39 pessoas no país, sendo 23 por disparos de armas de fogo. É fundamental aprimorar as avaliações psicológicas para a obtenção da carteira de motorista e, assim, impedir ou ao menos diminuir as chances de que desequilibrados ganhem o direito de dirigir e se convertam em potenciais focos de tensão nas vias brasileiras. Essa é uma responsabilidade a ser compartilhada por centros de formação de condutores (CFCs) e autoridades de trânsito e policiais.
Na cascata de distorções, a nova lei de abuso de autoridade também acaba algemando a polícia, que evitou divulgar o nome e as fotos do foragido, dificultando a sua captura. O autor do triplo assassinato acabou se entregando ontem. Espera-se agora uma punição rigorosa e exemplar para que episódios de violência semelhantes possam ser cada vez mais desencorajados.