Por Pedro Dutra Fonseca, professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS
O limite estabelecido pelo Banco Central aos juros do cartão de crédito é simpático, apesar de 8% ao mês alegrar qualquer agiota. Interferências semelhantes no banco houve também de Delfim Neto, quando ministro, e de Dilma Rousseff. Ocorre que nenhum destes se considera liberal, ao contrário de Paulo Guedes e Campos Neto, que, antes de serem governo, defendiam a mais ampla autonomia ao Banco Central e criticavam tabelamento. O fato serve para refletir sobre os limites do liberalismo nestes trópicos e suas insólitas distorções.
Há uns 2 anos, um secretário municipal de Porto Alegre resolveu demitir-se por não concordar com a "atualização da planta" do IPTU proposta pelo prefeito, a qual, com razão, entendia como um aumento de imposto disfarçado. Argumentava que, por ser liberal, não apoiaria tal medida, uma questão de coerência. "Deve ser ingenuidade ou um pretexto", disseram... "Ora bolas, coerência"?! Já nos acostumamos: as ideias são maleáveis e o discurso depois da posse é outro, mesmo nesta terra de Gaspar Martins, autor da mais bela metáfora crítica à incoerência ideológica: "ideias não são metais que se fundem".
O liberalismo tem a incrível capacidade darwinista de adaptação, a qual ajuda explicar seus 3 séculos de sobrevivência. Claro, há o tipo oportunista, que se diz liberal só como rótulo social para não pagar imposto. Mas este não é incoerente e pensar no próprio bolso não é pecado. O que mais choca são os que se dizem liberais e praticam uma retórica radical na defesa de seus princípios, mas com "adaptações" opostas a eles. Por aqui há liberal que aumenta imposto, interfere na autonomia do Banco Central, censura obras de arte, pede subsídios ao governo, persegue quem pensa diferente, tabela preços e ameaça jornalistas e órgãos de imprensa para domesticá-los. Há agora até os que criticam a abolição dos escravos – em nome da liberdade – e a proclamação da República, sob a alegação de que resultou de uma "conspiração militar positivista".
O inusitado é que tais liberais acham perfeitamente normal tudo isso, numa afronta a Locke e Adam Smith. Se um dia cruzar com um liberal socialista não estranhe, por aqui nada é impossível. Com incrível capacidade de flexibilização, o liberalismo local pode tudo. Até adotar princípios doutrinários opostos aos seus