Por Ely José de Mattos, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS
Colegas economistas apontam um início de potencial retomada da economia em 2019, ainda que leve. Sugerem um 2020 melhor. Mas meu otimismo é minado tanto pela forma como esta retomada está acontecendo quanto pelo rumo de outras áreas no país. Então, ao invés de opiniões, prefiro plantar questionamentos no texto de hoje.
O crescimento econômico em vista não parece que será pró-pobre. Já nos três primeiros trimestres de 2019 vimos que as classes mais ricas tiveram incremento de renda, enquanto os mais pobres amargaram retração. A flexibilização excessiva do mercado de trabalho em um contexto de desequilíbrio de poder e excesso de oferta de trabalhadores deverá ampliar os níveis de desigualdade. Some-se a isso a ausência de preocupação com redes de proteção social. Estamos convencidos de que esta é melhor maneira de voltar a crescer?
A área ambiental do país sofreu o maior desmonte das últimas décadas. Fomos notícia mundial em diversas ocasiões, todas elas em função de ações ou declarações do presidente Bolsonaro ou de seu ministro Ricardo Salles. Acompanhamos questionamentos às consolidadas evidências científicas sobre mudança climática, críticas ao Inpe e a seus dados coletados por satélites, acusações de que ONGs teriam ateado fogo à Amazônia. Tudo isso, coroado com aumento histórico do desmatamento. Estamos ignorando a irreversibilidade dos danos ao meio ambiente?
A cultura foi área abertamente vilipendiada. Os recursos foram drenados sob o argumento de que a produção cultural brasileira era “excessivamente de esquerda”, atuando contra os valores da família. A esfericidade da Terra foi tema de debate. Na mesma onda, a imprensa sofre ataques constantes dos mais diversos escalões do governo. Estamos confortáveis com esse obscurantismo?
Na educação, o ministro imita Gene Kelly dançando na chuva, usa óculos de mito, faz acusações infundadas contra universidades e, como cereja do bolo, acusa Paulo Freire pelos resultados ruins do Pisa. Em termos práticos, porém, a inoperância do MEC é tão grande, que se especula sobre a saída de Weintraub em breve. Que tipo de país isso nos garante no futuro?
Eu torço para que essas perguntas te inquietem em 2020. Só questões desse tipo serão capazes de nutrir um novo senso de debate e um projeto de país. Se formos passivos diante delas, só nos restará engrossar o triste e desafinado coro dos contentes.