Beneficiado pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de derrubar a autorização para prisão após a condenação em segunda instância, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva saiu da cadeia menos de 24 horas depois, no final da tarde de sexta-feira, deixando no país a dúvida sobre com que espírito vai desfrutar a liberdade. Ainda na cadeia, graças à condescendência do sistema prisional, o petista concedeu inúmeras entrevistas e mostrava-se falante, repetindo a ladainha de que foi encarcerado por motivos políticos, e não pelo resultado de um minucioso processo investigativo e judicial conduzido pela Operação Lava-Jato.
Solto, certamente o ex-presidente continuará eloquente, mas agora com o potencial de aprofundar ainda mais a polarização que machuca o Brasil
Solto, certamente o ex-presidente continuará eloquente, mas agora com o potencial de aprofundar ainda mais a polarização que machuca o Brasil. Para os radicais da direita, a volta de Lula ao cenário pode funcionar como a senha para que alardeiem de forma mais estridente os perigos de uma suposta ameaça vermelha. Neste momento, parece que muito mais do que a esquerda, ainda fragmentada e personalista, é o outro lado do espectro ideológico que se alimenta da figura controversa de Lula.
Grande parte do que o Brasil vai viver daqui para a frente dependerá do tom imprimido por Lula nos próximos dias, que certamente será repetido por seus seguidores. Se mantiver a toada radical, dará um grande impulso à intolerância e ao extremismo, que continuarão sendo protagonistas de um quadro de degradação das relações sociais no Brasil. A primeira amostra, ainda na sexta-feira, logo após sair da prisão, não foi das melhores. Os ataques à Lava-Jato e as provocações ao presidente Jair Bolsonaro indicam uma postura beligerante.
Precisa ainda ser analisada a questão de fundo. A posição do STF na quinta-feira, que beneficiou Lula, foi a reversão da interpretação da mais alta corte do país sobre o tema da prisão após a condenação em segunda instância, apenas três anos depois de firmar entendimento diferente. Há convicção generalizada de que o Supremo cedeu ao casuísmo, levando à soltura de Lula, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. A decisão produzirá consequências que vão muito além da possibilidade imediata de milhares de criminosos sentenciados voltarem às ruas.
É cristalino que a deliberação do Supremo, com placar apertado de 6 a 5, vai amparar essencialmente os condenados que têm amplas reservas financeiras para pagar os melhores advogados do Brasil e levar os seus recursos para a última instância. Contam com a possibilidade de protelação inerente ao cipoal do sistema recursal brasileiro e, quem sabe, até com a prescrição dos casos, para livrar seus clientes da cadeia. Neste grupo, claro, estão incluídos empreiteiros, doleiros e políticos denunciados pela Lava-Jato. O veredito do STF, portanto, tem infelizmente o condão de reavivar a percepção de que o Brasil é o país onde impera a impunidade.