Por Maria Carpi, poeta, autora do livro O que está está por vir (AGE)
O destino apagou uma das velas de nossa inteligência: Henry Sobel, rabino emérito da Congregação Israelita Paulista, faleceu na sexta-feira.
Apagou a chama, mas jamais extinguirá o fogo de sua luta pelos Direitos Humanos. Sobel demonstrava empatia incomum com o sofrimento do próximo. Talvez porque tenha nascido em Lisboa sob o signo da perseguição – o seu pai belga e a sua mãe polonesa fugiram das garras nazistas na Segunda Guerra Mundial. Após formação nos Estados Unidos, seguiu para o Brasil, jovem, longilíneo, sonhador, permanecendo por aqui mais de quatro décadas.
Falava soletrado, com um português lento e paciente, de quem domou o idioma de Machado de Assis pela ternura.
Nossa amizade nasceu numa conferência sobre o filósofo francês Emmanuel Levinas, na PUC. Emocionou-me profundamente o seu testemunho sobre o Papa da Paz, João XXIII. Ficamos por alguns momentos de mãos dadas orando, irmãos silenciosos da palavra.
E nunca serão desmanchados os passos de fraternidade dados por ele em vários episódios difíceis de nossa história pátria.
Sua ética era própria do judaísmo dos profetas. Viver significava lembrar, a cada nova pegada, de onde viemos.
Ninguém esquece quando, junto com dom Paulo Evaristo Arns e o presbiteriano Wright, esclareceu o falso suicídio do jornalista Vladimir Herzog, forjado pelos órgãos de repressão da ditadura.
Ainda compareci em outros eventos com o amigo. Durante o Movimento dos “Focolares”, um detalhe sutil e imperceptível me prendeu a atenção e revelou o crepitar de sua alma. Ele tirou o solidéu de sua cabeça e o colocou sobre Chiara Lubich, fundadora do movimento de Paz e União na Itália. Num simples gesto, humildemente espalhou a sua função protetiva a todos os presentes.
Arquiteto do judaísmo, Sobel é modelo vivo do livro A Estrela da Redenção, de Franz Rosenzweig, unindo o Antigo e o Novo Testamento, o povo da promessa e o povo do caminho.
Mostrou-se ecumênico em sua trajetória israelita. Semeou a concórdia, reuniu os grãos da esperança, realizou a colheita da tolerância.
Anônimo para a justiça ser visível, discreto para a igualdade vir à tona, o nosso rabino se despede. Enrolamos o papiro de sua vida com o fio prateado da gratidão.
Shalom!