A vitória do peronista Alberto Fernández na eleição presidencial argentina de domingo comprova o quanto os cidadãos, de qualquer nação, demonstram nas urnas os seus humores conforme a situação do próprio bolso. O atual mandatário derrotado, Mauricio Macri, frustrou expectativas e fracassou de forma retumbante na economia, ao demorar e hesitar em fazer as reformas de que o país precisava. Aumento da pobreza, disparada do dólar, inflação descontrolada e outro pedido de socorro ao Fundo Monetário Internacional (FMI) levaram o atual presidente à lona ainda no primeiro turno.
O populismo tende a conservar a situação do país vizinho no estado em que sempre esteve nas últimas décadas: em crise quase permanente
O retorno do kirchnerismo à Casa Rosada, mesmo que em sua versão light, não é motivo de entusiasmo. Pelo contrário. Basta lembrar o quadro de descontrole das contas públicas deixado por Cristina Kirchner quando passou o cargo, ao final de 2015. O populismo alicerçado em compromissos corporativos e sindicais tende a conservar a situação da Argentina no estado em que sempre esteve nas últimas décadas: em crise quase permanente, mesmo que vez ou outra apareçam espasmos de crescimento. A volta do peronismo pouco ou nenhum espaço cria para se acreditar que os velhos vícios que aprisionam o país ao passado serão rompidos.
As relações de Buenos Aires com Brasília também não devem ser motivo de esperança de maior integração. Se é fato que o presidente Jair Bolsonaro não se caracteriza pela polidez e elegância no trato com pensamentos discordantes, também deve-se lamentar o descabido gesto, ainda no domingo, de Fernández, ao defender a liberdade de Luiz Inácio Lula da Silva, condenado duas vezes, como se o petista fosse vítima de um aprisionamento ilegal. Foi um sinal de desrespeito ao Judiciário e à soberania do Brasil que, espera-se, deva-se mais à inexperiência do novo líder argentino, inebriado pela emoção da vitória iminente.
Infelizmente não é o que parece ser o mais provável, mas Brasil e Argentina, os dois principais parceiros do Mercosul, deveriam tentar manter relações cordiais, em benefício de ambos e do próprio bloco. Apesar do risco de novos tempos turbulentos embalados por ações populistas, o futuro governo, eleito democraticamente pelo povo argentino em um pleito livre, também merece respeito do lado de cá da fronteira.
É preciso ainda registrar e louvar a atitude desprendida de Macri ao convidar o seu oponente nas urnas para um café da manhã, como forma de dar a largada em um processo civilizado de transição. Uma iniciativa cortês, que, aliás, não teve em Cristina, quatro anos atrás, qualquer correspondência.