Por Maria Conceição Lopes Fontoura, doutora em Educação (UFRGS)
Existem palavras não registradas no dicionário. É o caso de dorômetro. Seria um aparelho para medir a dor de uma perda. Temos dor esperada. É vivida no desencarne de pessoa que foi da infância à velhice. A dor da ausência é sentida, mesmo quando o corpo debilitado implora por descanso. A realidade revela que mães sentem dor em mais alto grau.
Há quase 2 mil anos, Maria, genitora de Jesus, viveu a dor de perder o filho. Cristo demarca a divisão da História mundial. Crentes ou não, vive-se a contagem do tempo a partir Dele. Maria pranteou a morte do filho. Assim como ela, 2 mil anos depois, Marinete da Silva chorou o desencarne da filha Marielle Franco. Que teriam em comum Jesus e Marielle? Cristo foi condenado à morte por pessoas que não gostavam de suas atitudes. Defender pobres. Repartir o pão com quem tinha fome. Houve quem lavasse as mãos.
De forma similar, a vereadora pelo Rio de Janeiro buscava equidade. Lutava contra desigualdades. Almejava cidadania plena para todas as pessoas.
O filme O Caso do Homem Errado, dirigido por Camila de Moraes, evidencia a dor da mãe do trabalhador morto por servidores públicos que tinham por missão servir e proteger. Registram-se diariamente outras dores maternas. Equiparam-se às dores de Maria, de Marinete da Silva, da mãe do Homem Errado e de Vanessa Sales, mãe da pequena Ágatha, morta por bala perdida. São dores de mulheres que não pertencem ao grupo dirigente, tanto na cor quanto na classe. Jesus era mouro e filho de carpinteiro. Marielle, o Homem Errado e Ágatha eram pessoas pretas e provenientes de famílias humildes.
No momento em que está reinando a brincadeira de fazer arminha com os dedos, paira no ar a trágica potencialidade do dorômetro crescer entre pessoas pobres, pretas e pardas. O tamanho da dor aumenta em casos de impunidade. Exigir justiça não diminui a dor da perda, porém é essencial em uma sociedade democrática. A punição é fundante. Restabelece a confiança na responsabilidade dos atos praticados, seja por quem for.