Por Montserrat Martins, psiquiatra
Os 16 mil homicídios no país esse ano, até agosto, são cerca de 25% menos que os quase 22 mil no ano passado, na mesma época, segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública. O país chora a morte de criança no Rio, a quinta esse ano, vítima de bala perdida em confronto entre policiais e criminosos, pois morte de criança sempre é chocante, gerando protestos sobre a ação policial. O vice-presidente, no exercício da Presidência, questionou se os moradores teriam liberdade para protestar contra a ação de traficantes, pois respeitam a "lei do silêncio" das gangues.
O paradoxo da violência é que a ação mais violenta da polícia possa ser necessária para inibir a violência do crime organizado. A ação policial já foi contestada até com uma comparação, feita em 2015, entre o número de vítimas específica de roubo (latrocínios), que foi de 2,3 mil naquele ano, e o número de mortes causadas por policiais em confronto com criminosos, que foi de 3,3 mil naquela estatística.
Mas enquanto choramos uma morte de uma criança, não lembramos dos 400 policiais mortos por ano, ou mais ainda das dezenas de milhares de vítimas do crime organizado, que já produziram em um ano mais de 60 mil vítimas de violência, principalmente homicídios, mais que latrocínios. A maior ação policial está diminuindo o número de vítimas na maioria dos estados, no Rio Grande do Sul teriam diminuído em cerca de 20% as mortes violentas.
Há uma explicação para diminuir o número de vítimas de violência, com o aumento da violência policial. É que o "mundo do crime" não é homogêneo. Apenas uma parcela dele são o que se poderia chamar de "criminosos irrecuperáveis", cuja personalidade é tão identificada com o crime organizado que jamais se imaginariam em qualquer outra atividade.
A maior parte dos envolvidos em crimes é "volátil", pessoas que acreditam que podem "se dar bem" por meios mais rápidos que os jornadas de trabalho torturantes, humilhantes e sacrificadas de tantos milhões de trabalhadores mal pagos. É essa maior parte, a dos criminosos "eventuais", que é inibida pela ação policial mais violenta. Essa parcela significativa é suscetível de se assustar com a repressão policial e ir buscar alternativas de sobrevivência.
Esse paradoxo é intuído por milhões de brasileiros que desejam das autoridades essa postura, de policiamento ostensivo e enfrentamento ao crime organizado. As mortes de pessoas em assaltos, os tiroteios das gangues nas periferias, a insegurança generalizada, levou a população a desejar uma repressão mais forte e é isso que está acontecendo. Pode atingir vítimas inocentes, mas outras milhares de vidas são salvas.