Embora não tenha agravado ainda mais a situação de estremecimento externo em que se colocou desde a eleição, a repercussão do discurso do presidente Jair Bolsonaro perante a Assembleia Geral das Nações Unidas indica que há muito esforço coletivo pela frente para que o país não venha a ser carimbado com a pecha de pária internacional.
O visível constrangimento de líderes europeus e latino-americanos regidos pela moderação diante de seu colega brasileiro é uma das faces evidentes das consequências da trilha escolhida por Bolsonaro ao se distanciar da tradição de pragmatismo do Itamaraty. Outra é o surpreendente vácuo na agenda de visitas de chefes estrangeiros ao Brasil, antes uma rota de passagem de quem queria lustrar sua imagem e engatar novas possibilidades de negócios. De uma hora para outra, é como se Brasília tivesse se tornado radioativa para líderes de nações democráticas reconhecidas pela defesa do meio ambiente, do respeito a minorias e do papel exercido pela imprensa, entre outros valores da civilização do século 21.
Há muito esforço coletivo pela frente para que o país não venha a ser carimbado com a pecha de pária internacional
O cenário político externo não contribui para se antever uma reversão dessa situação. Bolsonaro perdeu recentemente um aliado na Itália e vê em dificuldades a preservação de outros dois, em Israel e nos Estados Unidos, enquanto na Argentina deve chegar à Casa Rosada um governante de centro-esquerda já bombardeado pelo presidente brasileiro. Restam, assim, similares autocráticos e populistas, em maior ou menor grau, em países como Hungria, Índia, Filipinas e Rússia e outros cujos regimes são ditaduras clássicas, como a China comunista e a maioria dos países árabes.
"Não há países amigos, mas interesses comuns", disse certa vez John Foster Dulles, secretário de Estado dos EUA. Seria bom se fosse verdade, porque Bolsonaro faz questão, como deixou claro no palco da ONU, de dividir seu mundo entre amigos e adversários a serem eliminados. Refém de teorias conspiratórias, o presidente não logra superar um ranço ideológico remanescente da Guerra Fria e, assim, vai se distanciando cada vez mais de uma realidade em muito diferente daquela em que vive nas últimas décadas.
Para o país que está em 2019 e precisa de relações estáveis e amistosas com todas as nações, o desafio será separar a imagem externa delineada por Bolsonaro e seu círculo mais íntimo do restante do governo, em boa parte técnico, moderado e eficaz. Deste esforço, em paralelo à ação dos radicais, depende a necessária manutenção e abertura de mercados externos, a atração de investimentos e, em última instância, a estabilidade do país.