Por Valdete Souto Severo, doutora em Direito do Trabalho, presidente da Associação Juízes para a Democracia
Um país em que transexuais têm expectativa de vida de 32 anos, 4,8 milhões de pessoas estão desalentadas, 12,6 milhões desempregadas, 54,8 milhões vivendo abaixo da linha da pobreza e cinco pessoas concentram patrimônio equivalente à renda da metade mais pobre da população, definitivamente não é democrático.
Também não o é um país que aposta na eliminação de pessoas através da violência estatal, real e simbólica, que se concretiza em práticas de sucateamento da saúde e da educação, defesa de trabalho infantil, retirada de direitos sociais, superencarceramento, desmatamento consentido ou autorização para o envenenamento através do uso de agrotóxicos.
O que superamos com o fim do regime civil-militar foi a lógica de perseguição e morte de opositores políticos. Uma superação tão importante, que é relembrada a cada 25 de outubro, dia em que o jornalista Vladimir Herzog morreu durante uma sessão de tortura no DOI-Codi, em 1975.
Mas democracia é mais do que isso. Precisamos superar nosso histórico de racismo, machismo e subserviência aos países de capitalismo central.
A Constituição de 1988 é uma tentativa válida de caminhar para isso, mas seus valores, princípios e regras até hoje não foram plenamente efetivados.
Em 2019, algo mais se quebrou. O discurso eleito, de violência declarada a tudo o que é diferente, de eliminação de pessoas, de direitos e das possibilidades de cidadania e soberania, está pondo em marcha um retrocesso social sem precedentes. Por isso, o Dia Internacional da Democracia é dia de luto, termo que move todas as pessoas que não perderam a sua capacidade de empatia e de indignação e que seguem atuando para viver em uma sociedade que, mais do que democrática, seja decente.