Por Igor Oliveira, consultor empresarial
No mês passado, o Financial Times lançou uma nova linha editorial, uma tentativa de atualizar o livre mercado para o mundo profundamente desigual em que vivemos. O caminho encontrado pelo jornal britânico foi abraçar uma agenda que cresce no mundo todo: os negócios com propósito. O manifesto do jornal coincide com o surgimento de uma proposta ousada do Partido Trabalhista no Reino Unido: 10% das ações de grandes empresas iriam para um fundo que beneficia trabalhadores.
A consultoria americana Purpose, mais acostumada a essa narrativa, havia publicado no ano passado um estudo com evidências de que o capitalismo com propósito só é possível se forem revisados também os modelos de propriedade. Empresas com estruturas acionárias muito concentradas tendem a não entregar valor para a sociedade no longo prazo. A maior longevidade e a preservação da missão de empresas cujo capital é distribuído são apresentadas como benefícios de modelos mais distribuídos. Os sistemas de governança sólidos, criados no momento da transição para uma estrutura distribuída, são tratados como um legado desse processo.
Essa visão de mundo tenta articular duas das grandes forças motrizes da humanidade: as necessidades individuais de acumular recursos e de gerar significado para nossa existência. Algumas inconsistências, entretanto, impedem que ela prevaleça.
A primeira contradição é entre missões empresariais claras e longoprazismo. Missões claras deveriam pressupor que a organização fosse extinta no momento do atingimento do seu objetivo. O que acontece é que grandes organizações priorizam sua própria persistência ao progresso das sociedades onde estão inseridas: nunca atingem a missão para não precisarem desaparecer. Quando o mundo finalmente muda, e elas obsolescem, iniciam supostos processos de redefinição estratégica que fingem ser para o bem comum, mas que, na verdade objetivam manter o status quo e colocar barreiras ao surgimento de novos players disruptivos.
A segunda é entre modelos sólidos de governança e propriedade distribuída. Na prática, mais donos trazem mais complexidade e maiores custos de transação. As estruturas ineficientes de governança em cooperativas, por exemplo, servem para premiar aqueles cooperados que dedicam mais energia à organização. No momento em que a governança passa a realmente funcionar, uma tragédia dos comuns pode matar a organização por dentro, visto que morre o incentivo para maior dedicação.
Precisamos fazer alguma coisa para que as grandes mudanças pelas quais estamos passando, no clima e na automatização do trabalho, não gerem níveis de desigualdade que inviabilizem a civilização na Terra. Esse caminho é cheio de armadilhas e ainda temos muito a aprender.