Há poucos anos, poderia até parecer algo surpreendente ou extemporâneo, mas hoje, no Brasil, é preciso reiterar constantemente a necessidade de defender a nossa jovem democracia. Foi o que fez, de forma oportuna, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello na última sessão de Raquel Dodge como procuradora-
geral da República. Quando o decano da Corte lembrou que o Ministério Público não serve a governos, não se subordina a políticos nem se curva à onipotência do poder, passou um recado muito mais amplo do que uma simples dissertação sobre os valores que devem nortear a instituição criada para representar os interesses da sociedade.
Celso de Mello expressou preocupação que é crescente entre os que enxergam nas declarações e atitudes do presidente e de seus filhos uma ação deliberada
Celso de Mello, naquele momento, expressava uma preocupação que é comum e crescente entre os que enxergam nas declarações e atitudes do presidente Jair Bolsonaro e de sua família uma ação deliberada para forçar e testar os limites impostos pelo conhecido e saudável sistema de freios e contrapesos dos regimes não autoritários. A mensagem, portanto, era endereçada ao Palácio do Planalto e aos filhos do mandatário brasileiro. Provavelmente o fato que levou à manifestação do decano do STF, o mais recente ataque à democracia partiu do vereador licenciado do Rio Carlos Bolsonaro. Ao escrever, no Twitter, que as mudanças desejadas pelo
país não seriam conquistadas de forma rápida por vias democráticas, elevou o nível de alerta sobre possíveis tentações autocráticas do clã. A manifestação mereceu rápida e contundente repreensão de expoentes dos demais poderes e do próprio vice-presidente Hamilton Mourão.
Ministério Público e Judiciário independentes, assim como uma imprensa livre, são pilares de uma democracia liberal sólida. Coincidência ou não, são alguns dos alvos prediletos de Bolsonaro. No caso dos meios que exercem jornalismo profissional, o assédio do presidente passou da verborragia para ações claramente retaliatórias, como as medidas provisórias destinadas a sufocar financeiramente as empresas. Uma vil tentativa de punição por exercerem a sua função de informar a população de maneira insubmissa e crítica – o que é próprio de Estados democráticos, aliás.
Em sua despedida, Raquel Dodge também demonstrou inquietação, referindo-se ao perigo de sinais que indicam retrocesso no país. Felizmente, o Brasil conta com instituições robustas. No Judiciário, no Congresso e em grande parte do Executivo, há a consciência de que inexiste caminho fora da Constituição. Ontem, 15 de setembro, comemorou-se
o Dia Internacional da Democracia, criado pela ONU para celebrar o desenvolvimento harmônico, os direitos humanos e as liberdades fundamentais. Por ironia do destino, foi na proximidade da data que foi necessário relembrar, com veemência, a existência intacta de sentido de dever para conter qualquer ímpeto de despotismo.