É em grande parte um retrocesso perigoso o projeto de lei proposto pelo governo federal que altera trechos do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Diante da barbeiragem patrocinada pelo Planalto, é imperioso que o Congresso, ao examinar o texto, corrija os erros cometidos pela iniciativa que parece orgulhar o presidente Jair Bolsonaro. A legislação atual, implementada em 1997, nasceu de um clamor nacional em reação à carnificina das ruas e estradas brasileiras. Foi, portanto, um avanço na luta contra a irresponsabilidade de maus motoristas que arriscam a própria vida e a de inocentes ao cometerem imprudências em série ao volante. O êxito é comprovado pela redução do número de mortes nos últimos anos, tendência reforçada por medidas complementares, como a Lei Seca.
Dobrar o número de pontos na carteira para ter a licença de dirigir suspensa é quase um convite à transgressão
Não se prega a resistência em discutir eventuais mudanças no código que rege as relações entre condutores, veículos e pedestres. Muitos pontos podem ser aperfeiçoados em benefício da sociedade, como o prazo de validade maior das carteiras de habilitação. Mas sob hipótese nenhuma é aceitável dar uma guinada que faça o país voltar a assistir ao aumento dos índices de barbárie no trânsito. Há temas passíveis de serem discutidos, reexaminados e atualizados, se esta for uma conclusão baseada em estudos técnicos consistentes.
Outras questões, como as que envolvem bicicletas e patinetes elétricas, merecem maior atenção por se tornarem cada vez mais presentes no cotidiano das cidades brasileiras.
Entre os disparates incluídos no projeto de lei de Bolsonaro, está o fim das multas – com a substituição por uma simples advertência – para quem deixar de transportar crianças em cadeiras apropriadas, que levam em consideração altura e peso. Hoje, com a punição pecuniária em vigor, é possível observar no trânsito pais que levam seus filhos pequenos, muitos de colo, no assento do passageiro. Eliminar a sanção será um incentivo à insensatez, que terá como resultado o crescimento do número de vítimas fatais ou, ao menos, de feridos, muitas vezes causando sequelas para sempre.
Da mesma forma, a intenção populista de dobrar o número de pontos na carteira para ter a licença de dirigir suspensa é quase um convite ao comportamento transgressor. As inconsequências que recheiam o texto proposto pelo governo parecem ser um complemento à guerra aberta por Bolsonaro aos controladores de velocidade nas estradas, outra fixação do presidente contestada por especialistas.
Cabe agora a deputados e senadores, chamados a agir com bom senso, não permitirem o avanço dos desvarios contidos no projeto de lei. Mesmo assim, é inconcebível que um governo eleito brandindo a bandeira da segurança assuma uma posição que promove a imprudência ao volante e, com isso, relega a vida a um segundo plano.