A prometida edição, pelo governo Bolsonaro, da Medida Provisória da Liberdade Econômica é uma das mais reluzentes novidades para que o Dia do Trabalho não se revista unicamente de lamentos pela situação do país e de nostalgias por um período em que os sindicatos reinavam dentro e fora do governo. Um tanto camuflada pelos desacertos em série entre membros do governo e pelos tuítes disparatados do círculo íntimo do presidente, a MP nasce com as melhores intenções, como a de desburocratizar iniciativas inovadoras e estimular o ambiente de negócios em um mundo crescentemente digital. Entre as medidas práticas, está a remoção de exigências para startups testarem seus produtos na fase de experimentação.
Surgem a flexibilidade de horários e locais e formas de trabalho em carreiras e funções nunca imaginadas
A MP vem ao encontro da nova realidade do Brasil e do mundo. Segundo o IBGE, já existem 3,8 milhões de trabalhadores em aplicativos de transporte, alimentação e entregas, tornando esta a maior categoria autônoma do país. Enquanto o emprego com carteira assinada entra em declínio de difícil reversão, o novo mundo do trabalho leva renda a milhões de brasileiros que antes não contavam com perspectivas de remuneração que não fossem atividades à margem da sociedade formal.
O grande desafio para as instituições brasileiras é entender e se adaptar a essa nova realidade, em flagrante contraste com um modelo trabalhista erguido sobre pilares do século passado com base na defesa do emprego, na proteção do empregado e na detalhada formalização das relações de trabalho. Tal concepção vem sendo devastada pelo mundo digital, no qual há e haverá cada vez menos empregados tradicionais. No lugar desse modelo em franca caducidade, surgem a flexibilidade de horários e locais e formas de trabalho em carreiras e funções nunca imaginadas por legisladores e reguladores.
Como resultado, instituições desenhadas no século passado para zelar pelas relações do trabalho, como a Justiça do Trabalho, também ingressam numa era de crise de identidade ao não conseguirem encaixar a realidade digital a seus preceitos. As leis e regras foram pensadas para um mundo formalizado no qual as empresas criadas sobre relações de trabalho de décadas atrás sofrem agora triplamente: pelo custo de manter extensas folhas de empregados, pela perda de competitividade em razão dos engessamentos legais e pela concorrência por vezes predatória dos noviços digitais, livres das amarras anteriores. A tendência evidente é o enfraquecimento das empresas tradicionais, com a consequente perda de mais empregos formais e o crescimento do trabalho autônomo, pondo em xeque todo o arcabouço gestado para a chamada defesa do trabalhador.
A reforma trabalhista empreendida no governo Temer foi um pequeno passo à frente para tentar modernizar a ossificada legislação trabalhista brasileira, mas, por si só, é incapaz de resolver a equação que desafia o novo mundo do trabalho, confrontado por quatro circunstâncias bem distintas: os empregos formais no setor público e privado, os autônomos e informais, os terceirizados e os desempregados. O futuro da Previdência, da renda e do próprio país depende da capacidade de reduzirmos drasticamente a distância entre tais mundos separados por abismos legais e regulatórios.