Por Daiana Santos, sanitarista e educadora social
No município de Porto Alegre, no que diz respeito ao investimento (ou à falta dele) à população em situação de rua, percebemos a disparidade entre a demanda real existente e a oferta de vagas disponibilizada. O número de pessoas em situação de rua é maior do que o número de vagas em espaços de proteção, bem como em projetos que possuem inclusive sua continuidade questionável, como é caso do aluguel social, que muitas vezes teve o pagamento às famílias interrompido. Entendo que as políticas públicas existentes não dão conta da complexidade e das especificidades dessa população. População essa que possui em seu histórico de vida o desamparo, tendo como consequência marcas importantes nas relações sociais, como a invisibilidade e o desvalor pela sociedade.
Qual é o lugar reservado para essas pessoas? Como você reage ao ver pessoas dormindo no chão? Se sente ameaçado ou incomodado ao vê-los ocupando espaços públicos, abertos e teoricamente disponíveis para todos? Penso que as soluções urbanas também devem pensar nessa população e não em sua higienização, uma arquitetura hostil que nega espaços, humilha e é seletiva.
Precisamos romper com o preconceito e compreender que essa população é o reflexo das políticas pensadas em prol do sistema capitalista e excludente que desestrutura e não oferta oportunidades, o que ao longo dos anos só agrava a situação de pobreza e de vulnerabilidade. Além disso, é essencial considerar que as ruas desta cidade têm cor: ela é preta! Analisando que a abolição da escravatura é recente e deixou marcas, o fato de uma maioria negra viver nas ruas é um reflexo importante desse período e reconhecer que tal processo reverbera até os dias de hoje é fundamental.
Nunca entendi quais critérios são utilizados para que algumas vidas sejam priorizadas. A verdade é que, enquanto uns leem o jornal, outros se cobrem com ele e se alimentam do pouco, dos restos de uma sociedade que tudo justifica com a falácia meritocrática.