A liberdade de imprensa é irmã siamesa da democracia – uma não sobrevive sem a outra. Na data em que se celebra o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, porém, há motivos reais e palpáveis para preocupação com o futuro de ambas. Neste momento, há nada menos do que 250 jornalistas presos mundo afora apenas por exercerem sua atividade de informar ou opinar. Rússia, Turquia, China, Eritreia e Irã estão entre os países que mais aprisionam quem não se alinha à chamada verdade oficial e insiste em se expressar livremente.
A elasticidade das interpretações jurídicas é um frequente biombo para calar veículos de imprensa
Também neste momento há incontáveis repórteres e profissionais de imagem colocando sua vida e sua liberdade em risco para trazer à luz denúncias e testemunhos de conflitos. A Venezuela de Nicolás Maduro é um caso crítico. Depois de silenciar a maior parte da imprensa independente por meio de pressões econômicas que iam desde restrições à importação de papel até a intimidação de anunciantes, o regime venezuelano destacou suas polícias e milícias, batizadas de "coletivos", para perseguir jornalistas nas ruas. Uma das vítimas recentes dessa prática grotesca foi o repórter de Zero Hora Rodrigo Lopes, detido e ameaçado em uma unidade militar de Caracas quando cobria em janeiro passado uma manifestação nas proximidades do Palácio Miraflores.
A Venezuela vem demonstrando ser um laboratório das novas práticas autoritárias contra a livre expressão. Além de ter feito a "regulamentação dos meios de comunicação" que setores de esquerda, inclusive o ex-presidente Lula em sua recente entrevista, ainda apregoam para o Brasil, o regime persegue e ameaça jornalistas por meio de suas milícias e produz blecautes em redes sociais e sistemas de mensagens eletrônicas para impedir a difusão de informações.
As mídias sociais, por sinal, são uma dupla face da liberdade de imprensa. Se por um lado permitem que se disseminem velozmente informações e opiniões que de outra forma seriam tolhidas pelos regimes, as redes também se prestam para uma nova forma de censura. A destruição coordenada de reputações é um dos elementos mais perniciosos da atividade do submundo digital. Por essa tática, alveja-se um jornalista que divulga uma informação considerada inconveniente e, organizadamente, por meio de um rastilho de ataques, ofensas e desinformações, procura-se erodir a estabilidade emocional e a credibilidade do profissional, seu maior ativo como jornalista. Sem surpresa, a prática foi inaugurada pelo governo de Vladimir Putin, inspirado nos métodos da KGB soviética, contra jornalistas ocidentais que produziam reportagens desconfortáveis a Moscou.
À violência e à desinformação, somam-se, entre as ameaças à mídia, métodos mais sofisticados de intimidação, como recorrer a procuradorias e Judiciários comprometidos com governantes para dar aparência de legalidade e demolir, econômica e moralmente, vozes dissidentes. Um dos casos mais célebres da atualidade é o da publisher Maria Ressa, das Filipinas, presa e processada sob alegação de fraude fiscal depois que seu site, Rappler, passou a incomodar o exótico e autoritário presidente Rodrigo Duterte.
A elasticidade das interpretações jurídicas é um frequente biombo para calar veículos de imprensa, como constatado no caso da ordem de censura do ministro do STF Alexandre de Moraes à revista digital Crusoé, felizmente revogada depois de uma sólida e maciça repulsa da sociedade brasileira. Novas legislações restritivas, entretanto, seguem povoando os desejos de governantes, os palácios e as casas parlamentares e judiciais. Somente uma convicção profunda nas raízes mais profundas da liberdade de imprensa assegurará a preservação do direito de todos os cidadãos se expressarem e se informarem dentro dos princípios da Constituição brasileira, com responsabilidade mas sem medo, sem agressões e sem censura.