Quase três meses depois de ter assumido o mais importante cargo público do país, o presidente Jair Bolsonaro deveria estar olhando para a frente e não paralisado ou desviado por conflitos desnecessários, com o olhar no retrovisor. Da orientação para o Ministério da Defesa celebrar o 31 de março, revista ontem para "rememorar", ao tom de combate a comunistas, mais característico da Guerra Fria, o círculo íntimo do presidente segue com a cabeça no passado.
Da mesma forma, a virulência da campanha eleitoral, com identificação de "aliados ou inimigos", segue dando o tom nos grupos de apoio ao chefe do Executivo, causando prejuízos enormes na relação com o Congresso. É o que se constata, por exemplo, na indignação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, com as repetidas provocações presidenciais e ataques grosseiros de seu guru, Olavo de Carvalho, a políticos e a militares da reserva que têm sido guardiões da moderação no ambiente conturbado do Palácio do Planalto.
É preciso foco na construção de um país melhor, no qual as pontes vençam as trincheiras contra inimigos imaginários
Fica difícil entender a atitude do presidente, de não só dar margem aos ataques como, de certa forma, endossá-los em suas próprias manifestações. A questão se torna ainda mais pertinente no momento em que o Planalto precisa, mais do que tudo de apoio de quem, mesmo discordando das posições mais extremadas de seu ocupante, também deseja um país com estabilidade econômica e política. É difícil acreditar que, como já cogitam alguns analistas e políticos, o presidente esteja deliberadamente cevando crises para gerar um ambiente institucional que conduza a intervenções de força. É sintomático, porém, o desconforto do ministro da Economia, Paulo Guedes, ao incluir o presidente entre aqueles que podem não querer seus "serviços" para fazer a reforma da Previdência e, assim, assegurar a fundamental estabilidade fiscal para a retomada do desenvolvimento, dos investimentos e dos empregos.
É verdade que o presidente tem à sua volta um grupo de auxiliares e familiares próximos que transitam entre a simples incompetência a um certo grau de lunatismo ou delírio de poder. Mas é verdade também que há muitos outros, entre eles, a equipe econômica, militares no governo e o vice-presidente, que se mostram receptivos ao diálogo com contrários. Menos mal, pois é preciso foco na construção de um país melhor, no qual as pontes vençam as trincheiras contra inimigos imaginários.
O fato é que um grupo insiste no passado, conturbando o presente, sabe-se lá com que intenções. O outro faz um enorme esforço para que o governo, a começar pelo presidente da República, olhe para a frente, e abrace a agenda do respeito a divergências e do desenvolvimento sobre um mínimo de consenso comum. Qual dos dois grupos vai imperar é uma incógnita da qual depende o sucesso ou não do governo e a estabilidade do país.