Por Candice Carvalho Feio, jornalista, correspondente da Globo News em Nova York
Demorei para perceber a sorte de ter um porto como morada.
Quando criança, lembro de responder pela metade, quando perguntavam:
– De onde tu és?
– De Porto.
Nesta época, ''Porto'' era algo que eu dizia de modo espontâneo e sem qualquer associação com o que a palavra significa. Não era nada além do apelido da minha cidade. Foi só recentemente que reparei. Com o nome dos bairros foi a mesma coisa: cresci sentindo alegria ao passar com minha mãe, de carro, pela placa que indicava a direção para Glória, Tristeza, ou Menino Deus. Pegávamos sempre a direção da ''Tristeza'' . Era o bairro onde ficava a casa de meus avós. Não lembro de um dia que não tivesse saído sorrindo da Bela Vista em direção à Tristeza. Ninguém espera ansiosamente para chegar à Tristeza, a não ser que esteja em Porto Alegre. Peculiaridades da cidade.
Minha avó era mulher de muita fé. Era natural que, apesar de parecer feliz na Tristeza, o bairro que cobiçava fosse o Menino Deus. A rua preferida era também a mais florida, a Ganzo. Vó Wilma era uruguaia, mas dizia que as flores da Ganzo lhe faziam tão feliz quanto as flores de Montevidéu. Menino Deus é outro nome passara despercebido até 2002. Desapercebido para mim, não para Caetano. Caetano Veloso, tempos antes, havia reparado na placa que indicava o caminho para o bairro e fez a canção Menino Deus. Eu escutaria pela primeira vez em show no Teatro do Sesi. O verso, ''Um Porto Alegre é bem mais que um seguro nas rotas das nossas viagens no escuro'' emocionou muita gente. A canção me fez pensar que um porto só tem significado para quem nele encontrar abrigo. Tenho encontrado. Outros também.
Naquele momento, foi como se Porto Alegre tivesse se enchido de simbolismos e enigmas. Redenção, Rio ou Lago Guaíba, Porto dos Casais... Os nomes que se referem à nossa cidade são os mais bonitos, não só porque são os nomes que se referem à nossa cidade, mas porque ao falar neles, quem falar deles, mesmo sem perceber, fala em alegria e porto. Tem sido assim em 247 anos e que seja assim para que amanhã haja mais futuro do que jamais houve, como diz a canção.