Por Andre Marenco, professor titular do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UFRGS
Não há nenhuma democracia no mundo sem partidos. Legendas partidárias foram a resposta a dois problemas para decisões democráticas: evitar maiorias cíclicas e oferecer ao eleitor um mínimo de previsibilidade sobre o que fará seu representante ao longo do mandato.
Certo, no Brasil estamos longe disto, o número de partidos efetivos é recorde entre as democracias atuais e representantes eleitos trocam de legenda com facilidade. Existem trocas de partidos em outros Legislativos, como o Congresso americano, Parlamento Europeu e Legislativos da Itália e do leste da Europa, mas sua ocorrência nesses casos é rara e residual.
Políticos costumam falar que no Brasil os partidos não importam mesmo e os eleitores votam "na pessoa e não no partido". Na verdade, ao trocar de partido, representantes estão quebrando um dos pilares da democracia representativa. Quando a troca de partidos ocorre durante o mandato parlamentar, a consequência é uma alteração na correspondência entre votos e vagas, violando a regra básica da representação política, de que a distribuição de preferências dos eleitores constitua a medida para definir as oportunidades de acesso a postos públicos.
Para entender isto, devemos lembrar que apenas um em cada 10 deputados obtém votos em número igual ou superior ao quociente eleitoral (a relação entre o número de votos válidos e as vagas em disputa), garantindo sua eleição com seus próprios sufrágios. A grande maioria dos eleitos, embora tendo obtido votos nominais em proporção inferior ao quociente, conquista sua vaga beneficiando-se dos votos partidários: os votos excedentes dos deputados que alcançaram o quociente eleitoral, os votos dos candidatos partidários que não são eleitos e os votos conferidos à legenda partidária.
Assim, mesmo que afirme que sua eleição deveu-se à reputação individual e ao voto pessoal de seus eleitores, esses sufrágios foram insuficientes para assegurar a eleição da maioria dos deputados eleitos. A Resolução 22.610/07 do TSE buscou resolver o problema, mas ao permitir o troca-troca quando da criação de novos partidos, terminou por incentivar a multiplicação de legendas.
Aceitando que a maioria dos eleitores ainda vote "na pessoa e não no partido", podemos concluir que o número de partidos e o troca-troca entre eles exponenciem as dificuldades para o eleitor compreender as diferenças existentes entre as principais legendas partidárias. Ao votar em seu candidato preferido, uma eleição após a outra, o eleitor terminaria por associá-lo à respectiva legenda, e com isto, assimilaria aquela identidade partidária. Ao mudar de partido, o representante introduz dificuldade adicional para a formação de identidades partidárias, uma vez que torna mais difícil a conversão de reputação pessoal em reputação partidária, da mesma forma que cobrar as responsabilidades de cada partido.