Por Rodrigo López Zilio, promotor de Justiça e coordenador do Gabinete Eleitoral do MPRS
É rarefeita a noção de que, ao votar, o eleitor define seu candidato e fixa a relação de forças entre os partidos políticos. Porque a migração partidária tornou-se corriqueira, o retrato das urnas não permanece incólume durante a legislatura. Por esse motivo, o TSE definiu que o mandato pertence ao partido e a desfiliação sem justa causa importa perda do mandato, impondo um freio ao troca-troca.
Após um silêncio, o legislador regulou a matéria com generosas portas de saída para o "brete" da fidelidade partidária: criou a "janela partidária" (ou seja, pode-se migrar de partido 30 dias antes do prazo da filiação ao término do mandato); permitiu a troca de partido pelo prazo de um mês; possibilitou a saída de partido que não atingiu a cláusula de barreira. Todas essas hipóteses admitiram a mudança sem a perda de mandato e sem necessidade de qualquer justificativa.
A manutenção do mandato em caso de troca de partido, em hipóteses excepcionais, pode servir como um fator de equilíbrio entre os poderes. Porém, no atual contexto, a migração partidária é mais um retrato da disfuncionalidade do sistema. A rotina dessas mudanças, como regra, é pautada pelo interesse pessoal (seja a busca do êxito eleitoral ou a percepção de vantagens de outra natureza). Além de não representarem adequadamente o anseio dos eleitores, os partidos não têm cumprido suas funções essenciais. Os mecanismos de democracia interna são precários; não há transparência na gerência dos recursos; é incomum a responsabilização por atos em descompasso com as normas estatutárias. Agora, adita-se a malversação dos recursos públicos de financiamento de campanha. Ainda, não raro, seus dirigentes têm por fungíveis os conceitos de autonomia partidária e im(p)unidade.
É por uma série de desmandos que o atual quadro relega aos partidos uma função burocrática de fornecimento de candidatos para as eleições. Essas anomalias reforçam o descolamento da sociedade civil com a classe política e trazem a discussão sobre a necessidade dos partidos no regime democrático (o que é demonstrado pela tese da candidatura avulsa).
A história mostra que a representação política evoluiu de uma noção liberal para um modelo partidário, justamente para superar o individualismo por uma visão aglutinadora da vontade dos cidadãos. Nos EUA, referem Levitsky e Ziblatt, ainda que as primárias tenham um caráter vinculante, os partidos são apontados como guardiões da democracia, ao recusar acesso a candidatos despreparados.
No Brasil, desde 1988, os partidos se tornaram peças essenciais ao regime democrático, devendo assumir sua função de assegurar a autenticidade do sistema representativo, com democracia interna, transparência e responsabilidade. Nesse processo, uma melhor depuração dos candidatos apresentados e um rearranjo das regras de fidelidade partidária, limitando as hipóteses de manutenção do mandato para as migrações, são passos fundamentais para uma reconciliação dos partidos políticos com a própria democracia.