Preocupa que, num país com tanta lei e tanta regulamentação, o descumprimento não ocorra apenas por parte da sociedade, mas também do poder público, a quem caberia não só exigir que as normas sejam cumpridas à risca, mas também dar o exemplo. É o que ocorre, entre outros casos, com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), como demonstra carta enviada por secretários estaduais da Fazenda, incluindo o Rio Grande do Sul, pedindo definição ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, sobre um ponto desse instrumento específico da lei, que se constitui em base da estabilidade econômica. O interesse específico é em relação à possibilidade de redução temporária de salário com redução de jornada de servidor, suspensa em caráter liminar, mas há outras situações, algumas preocupantes.
Uma leitura peculiar desse instrumento legal vem sendo feita justamente pelo poder público gaúcho, com o respaldo do Tribunal de Contas do Estado (TCE). A interpretação faz com que, oficialmente, o governo gaúcho gaste 54,95% de sua receita corrente líquida. Interesses imediatistas levaram o Estado a desconsiderar, nesse caso, outros gastos, como os com pensionistas e assistência médica. O que era conveniente numa época, mesmo sem corresponder à realidade, dificulta hoje a assinatura do programa de ajuste fiscal do governo gaúcho com a União, que exige um percentual maior de comprometimento das receitas como pressuposto. A palavra final sobre o que entra ou não no cálculo caberá ao Supremo.
Há algo de muito preocupante quando nem mesmo um gestor público consegue cumprir eficazmente uma norma que se constitui num dos pilares da estabilidade econômica. Governantes não podem seguir recorrendo a maquiagens em orçamentos e mesmo a pedaladas fiscais, como as que culminaram no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Exigências legais têm que ser cumpridas e os exemplos precisam começar pelos gestores públicos.