Por Carlos Waldir Carpes Elesbão, advogado
Na última terça-feira, dia 15, o presidente Jair Bolsonaro assinou decreto que flexibiliza a posse de armas de fogo e estende de cinco para 10 anos o seu registro. Trata-se de um primeiro passo em direção a outras medidas para facilitar a venda desses objetos letais prometida durante a campanha do então candidato à Presidência da República. O discurso que fundamenta a adoção dessas medidas refere os altos índices de violência e criminalidade que assolam o país, e o direito de o cidadão armar-se para se proteger.
É difícil concordar com tais argumentos. A delegação ao indivíduo, em pleno século 21, da responsabilidade por sua própria segurança, não se harmoniza com os valores conquistados pela humanidade ao longo do processo civilizatório. Na medida em que a sociedade foi-se estruturando, atribuindo poder ao Estado e restringindo o comportamento humano, segurança pública, saúde e educação passaram a ser dever do Estado e direito do cidadão.
Considerando que o Brasil está em sétimo lugar no ranking dos países que mais cobram impostos, com uma carga tributária de 69,7%, maiores investimentos em segurança, saúde e educação são medidas que se impõem. Não é demais salientar que essas três áreas se imbricam de tal forma, que não se pode pensar em segurança pública sem pensar em saúde e educação. Note-se que é justamente a ineficiência estatal no aprimoramento de políticas públicas aptas a suprir a população dessas carências que enseja os altos índices de violência e criminalidade que justificam o discurso de medo e ódio que embasa a facilitação do acesso às armas de fogo.
Por outro lado, não se pode fazer vista grossa ao momento que vivenciamos no Brasil, onde os ânimos estão acirrados em razão da forte polarização político-ideológica cumulada com fundamentalismo religioso, indutores de comportamentos arbitrários e violentos, precipuamente por parte de alguns setores da sociedade que hoje se sentem legitimados a agir de forma bastante ameaçadora. Exemplo disso, o recente ataque a tiros contra os indígenas da retomada Mbya-Guarani da Fazenda Ponta do Arado.
No ranking mundial de mortalidade por armas publicado pelo Global Burden Disease, órgão da OMS que pesquisa as causas de morte pelo mundo, em 2016 o Brasil ficou em primeiro lugar com o número de 43,2 mil pessoas mortas por armas de fogo. Ora, como defender a vida estimulando a circulação de um instrumento cuja única finalidade é provocar a morte?
A flexibilização dos requisitos para aquisição de armas de fogo parece solução para resolver o problema da segurança pública, mas não seria essa apenas uma forma superficial de tratar o sintoma de um problema complexo? Antes de assimilar o discurso confortável que aconchega o medo, é preciso atentar à realidade que nos cerca com vistas à preservação da vida.
Se já não era favorável à flexibilização da posse de armas antes desse famigerado decreto, muito menos agora em tempos de ódio e arbitrariedade.