Por Jorge Barcellos, doutor em Educação/UFRGS
“A terceira guerra é social". A expressão é de Bernard Thibault, ex-secretário da CGT, e define exatamente a sensação vivida no Brasil. Vendo décadas de progresso social indo ladeira abaixo, a sensação é de que a verdadeira guerra não é militar, é social e já estamos numa. Sua origem está na dinâmica autodestrutiva do capital, na qual a sociedade do mercado produz sujeitos pela combinação letal de narcisismo e fetichismo da mercadoria. O mundo torna-se o meio voltado para a conquista do ilimitado, visível na perversão dos maus políticos, criminosos e financistas de plantão que vivem um mundo sem sentido, negando limites e desencadeando violências extremas e gratuitas: tudo o que está no noticiário é efeito do modelo de desenvolvimento que faz do capital o principal valor.
O capitalismo é cruel, produz ressentimento e autodestruição porque o valor dita sua lei ao homem. Ninguém é marionete de ninguém, todos cedemos ao poder exercido pelo capitalismo em nossos sistemas de motivação e gratificação, deixamo-nos manipular a estrutura psíquica, transformamos o humano em mercadoria e fazemos disso nosso consenso: fim de qualquer dimensão humana na política, de defesa de direitos, etc. É essa indiferença em relação ao mundo, aos valores, ao homem que torna o capital particularmente perigoso para o planeta, seu ... "coração das trevas" (Joseph Conrad).
Como no filme Bird Box, a cegueira do capitalista é a mesma do sujeito narcísico: narcisistas não veem o mundo exterior, não o reconhecem, só reconhecem a si mesmos, exatamente como os capitalistas e financistas que agora ditam a política econômica. Viva a flexibilidade, viva a mudança!. Mas isto não é o problema! O problema é a reforma subjetiva em andamento, oculta, dissimulada, na qual tudo o que é fixo é considerado ruim e que nos coloca à beira do desastre psíquico.
Nesta guerra, para assassinar uma pessoa, basta retirar-lhe a possibilidade de humanidade, a possibilidade de escolha. O pior do capitalismo é criar um universo em que a escolha não é mais possível. "Uma sociedade fundada no valor é uma sociedade inviável no plano humano", diz o sociólogo Anselm Jappe.