Por Ricardo Hingel, economista
Há alguns dias, minha filha chegou do trabalho com três cartinhas para o Papai Noel escritas por três meninas de escolas para populações carentes, as quais resumo a seguir:
Carta 1: “Querido Papai Noel, eu sei que tu não existe, mas minha mãe sempre dizia que tu existe e então caiu a minha ficha e eu acredito. Eu gostaria de pedir um quite de massinha. Se não conseguir pelo menos não compre uma boneca por favor.”
Carta 2: “Querido Papai Noel, eu queria ganhar material escolar. Se você for me dar isso vai ser um prazer eu quero que venha uma caneta de errorex, eu vou pedir isso nesse natal e só isso. Porque você Papai Noel tem outras crianças para dar. Pode ter também caneta, lápis, folha de ofício e se der um caderno e outras coisas.”
Carta 3: “Querido Papai Noel, eu desejo ganhar uma bola de futebol para eu jogar futebol. Eu gosto muito. Mesmo sendo menina eu sou boa nisso.”
As cartas acima têm em comum a simplicidade e modéstia dos pedidos, a ingenuidade e até um certo conformismo por talvez não os receberem. A singeleza dos desejos deve nos remeter ao que se passa em cada uma daquelas cabecinhas e seus sonhos, para nós, invisíveis, e que devemos torcer para que se tornem possíveis e depois, reais.
Assim como as três meninas acima, milhões de outras crianças brasileiras têm em suas cabecinhas milhões de sonhos invisíveis para nós, porém verdadeiros para elas, e prontos para se defrontarem com a realidade de nosso país, que fará com que, em sua grande maioria, não sejam promovidos a possíveis ou concretos.
Em qualquer lugar ou momento, pare para refletir e olhar um grupo de crianças brincando ou estudando. Pense, por alguns instantes, nos sonhos invisíveis de cada uma delas e qual a condição que elas terão para realizá-los. Crianças não devem ser olhadas apenas como números estatísticos.
Volte, depois, para o país que construímos e reflita na incapacidade que as últimas gerações de brasileiros tiveram de transformar sonhos invisíveis em concretos.
No país do “queromeu”, onde interesses individuais e corporativos predominam, não é demais refletirmos, nem que seja nas festas de final de ano, nos sonhos invisíveis que estamos inviabilizando a cada dia em um país que desperdiça e distribui mal suas riquezas e onde cada vez mais os noticiários de nossa imprensa dedicam-se à crônica policial, fazendo-nos perceber o grau de deterioração a que a sociedade chegou e a necessidade gigantesca de um Estado cada vez mais policialesco que devemos bancar e que convive com a impunidade.
Vamos ler mais cartinhas para o Papai Noel.