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É bom e salutar que, contra ou a favor, milhares de pessoas se expressem, em paz e com liberdade, sobre o que pensam de um candidato à Presidência da República. Um efeito secundário desse tipo de manifestação política, realizada em dezenas de cidades brasileiras e até no Exterior, é o de contribuir para uma redução na apatia e no distanciamento com que essa eleição vinha sendo encarada até agora. O engajamento é sinal de que o brasileiro está acordando para o fato de que a abstenção equivale a deixar para outros a solução de seus problemas, em uma delegação perigosa de responsabilidades.
Em meio ao calor de uma das campanhas eleitorais mais polarizadas da recente democracia brasileira, são preocupantes as reiteradas manifestações do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) contrárias a regras elementares do jogo político. E são elas que, desde a Constituição de 1988, vêm pautando a democracia brasileira.
A mais recente polêmica suscitada pelo líder das pesquisas de opinião pública no primeiro turno teve início com a declaração de que, se não for eleito, estará configurada uma fraude, pois vê multidões a seu favor. Confundir povo na rua e fervor de apoiadores com opinião pública ou da maioria é visão típica de amadores na percepção do sentimento do eleitorado.
Tomadas isoladamente, as imagens de multidões nas ruas no dia em que o candidato deixou o hospital poderiam dar a impressão de que o Brasil inteiro o repudia. Nem as louvações, nas quais o candidato vê um sinal de vitória, nem os espaços públicos tomados por opositores retratam a realidade ou sugerem uma antecipação dos resultados das urnas. Nos extremos, há adeptos de quem hoje está no topo da disputa, e, no miolo, uma gigantesca massa que, ao se manifestar, o faz reservadamente. Ou melhor, posiciona-se livremente por meio do voto, em consonância com suas convicções pessoais e com sua consciência política.
E é a manifestação da maioria a partir do voto que, de fato, dirá quais são as pretensões do eleitorado da forma mais democrática e abrangente possível. Independentemente das bravatas que vêm marcando a reta final de campanha, o importante é que tanto o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto as Forças Armadas vêm assegurando que a Constituição será cumprida. Quem garantir mais votos precisará ajustar seu discurso de campanha com o de presidente eleito, papel em que é preciso colocar acima de tudo o compromisso com o Estado democrático de direito.