Por Charles Kermaunar, cientista político
No início da República Velha, uma prática conhecida como "voto de cabresto" era comum no interior do país, controlado por coronéis que obrigavam sua "porção do povo" a votar de acordo com sua orientação, em uma época cujo voto não era secreto. Esse era o curral eleitoral.
Um século depois, podemos reencontrar resquícios dessa prática. Justamente em um tempo paradoxal em que se tem consciência e preocupação com a excessiva polarização, mas se acusa o outro de ser o maior perigo para democracia. Posso partir de um princípio religioso, sindical, de gênero, econômico, entre outros. No entanto, a decisão do voto é secreta e parte da liberdade de consciência que é inviolável. Não é necessário que meus amigos "abram seu voto ou não-voto" — sobretudo na internet — e concordem com meu pensamento. Que todos pensem como eu penso sobre determinado candidato.
Pois, há um limite entre discutir ideias e discutir pessoas, entre recomendar o voto ou o não-voto em alguém. Quando eu discuto sobre votar ou não votar em alguém, eu fecho o diálogo. Quando eu falo sobre ideias, eu ainda posso estabelecer alguma ponte de discussão. A questão é que a democracia se dá na liberdade e no debate das ideias e, normalmente, quando se empunha uma bandeira pessoal, o debate se encerra.
Nesse ponto, cabe observar que a democracia perde muito quando se discute mais sobre pessoas do que sobre ideias. O desenvolvimento sustentável e o estabelecimento de políticas de longo-prazo precisam estar desatrelados de A ou B. No conjunto das etiquetas virtuais, além de não se escrever em letras maiúsculas, não deveríamos também saber respeitar a liberdade de consciência de cada um e seu voto secreto, passando a falar mais sobre as ideias do que sobre as pessoas? Quando a eleição se dá em torno de pessoas, o debate é pobre, tenso e raso. É preciso, portanto, que os grupos que formam consciência moral respeitem a liberdade de consciência de seus membros, convidando-os a uma cultura de paz e de diálogo.