Por Antônio Britto, ex-governador do Estado
O primeiro gesto teria de vir de quem perdeu. Reconhecer que houve uma vitória dentro da lei e da Constituição. E usar as poucas energias que devem ter sobrado depois de uma derrota tão surpreendente para, em vez de questionar a decisão dos eleitores, assumir seu próprio fracasso. Fracasso do PT, que precisa ser recriado com um efetivo reconhecimento de suas culpas, um concreto compromisso com uma esquerda mais moderna, sensata e democrática. Fracasso do PSDB e do chamado centro, incapazes de falar para a maioria dos brasileiros e de aposentar práticas partidárias que mais parecem um camarim repleto de vaidades.
O segundo gesto só pode vir de Bolsonaro. Em processos e pessoas normais, o exercício dos governos necessariamente muda ou adapta – e para melhor – atitudes e visões dos eleitos. Bolsonaro tem que permitir que a Presidência opere nele a mais simples e virtuosa das mudanças – deixar de ser o Messias que aproveita-se de um estado de espírito da população para ganhar sozinho muitas eleições e passar a ser o Jair Bolsonaro que preside a todos. E para isso precisa respeitar nas palavras, nas atitudes e no governo a partir de hoje especialmente quem não votou nele.
Bolsonaro precisa, ainda, saber o que fazer com o governo. Na história do país, nem mesmo Jânio ou Collor ganharam tão sozinhos quanto ele. Mais que em qualquer eleição brasileira, venceu pela capacidade de encarnar o sentimento do contra. Para governar, no entanto, precisa rapidamente revelar de que ele é a favor. Mas como Bolsonaro vai transformar uma complexa mistura de liberais em busca de reformas, conservadores sonhando com atraso, corporações e setores da elite defendendo privilégios e uma maioria de desencantados querendo milagres, como transformar essa Babel em uma ação clara, coordenada e eficiente, como a grave crise brasileira exige para já?
Se o país, a partir de hoje, não receber esses três gestos – de quem perdeu, sendo democrático, e de quem ganhou, deixando-se influenciar pela responsabilidade da vitória e abandonando a retórica do contra pela construção de consensos a favor de algumas políticas –, bem, se isso não acontecer, hoje começa a mais profunda crise da história recente do Brasil. E as emoções recentes que o país viveu parecerão um período de relativa calma.
Melhor torcer por três urgentes respostas positivas.