Por Flavio Pechansky, psiquiatra, diretor do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Na Semana Nacional do Trânsito, o Brasil é um dos que mais mata no mundo. Além de mortos e feridos há centenas de milhares de brasileiros sofrendo - pois famílias sofrerão pelas perdas, com impactos financeiros e emocionais. A relação entre o álcool e a direção é ilegal há 10 anos, e é uma das principais causas de morte. Mas o peso é erroneamente colocado sobre o alcoolismo, que é uma doença grave e de instalação lenta, afetando 6 a 10% da população adulta. Seu tratamento é difícil, porém possível e conhecido. O principal impacto do álcool no trânsito se dá por algo mais imediato - consumo excessivo concentrado (beber muitas doses em pouco tempo), e que deve ser coibido e punido com rigor.
As mortes pelo álcool acontecem com motoristas jovens e se concentras em noites, madrugadas, finais de semana e feriados. Não é preciso muito álcool para afetar a direção - só uma dose já pode afetar as habilidades de dirigir. Algumas pessoas com características impulsivas e dificuldade de balancear decisões são mais propensas a este tipo de comportamento, pois o álcool afeta a crítica e a tomada de decisão. Associado a um cérebro que ainda em desenvolvimento até os 25 anos e a uma máquina que produz respostas instantâneas, cria as condições perfeitas para uma decisão impulsiva - e errada - em milésimos de segundo.
A maior parte dos motoristas que matam no trânsito não é formada por alcoolistas. Nem por criminosos com ficha policial, mas sim por pessoas que combinaram elementos que não devem ser misturados, e que sabem disso ao realizarem atos imprudentes como dirigir um veículo após beber. Ao adicionar a lentidão da Justiça e as manobras que permitem transformar mortes em cestas básicas ou algo similar, temos as condições perfeitas para que os motoristas que beberam, dirigiram e mataram naveguem em um mar de impunidade - e voltem a dirigir após punição leve (quantos motoristas alcoolizados que mataram estão na cadeia?). Portanto, o que mais mata no trânsito não é o alcoolismo. É possível que seja o abuso de álcool combinado com a impunidade.