Por Newton Fabrício, desembargador
Fazia tempo que não nos víamos. Amigo dos tempos que estudamos juntos, depois de vários anos nos encontramos na frente de um café, ali próximo da Praça da Matriz. Aproveitamos para sentar e bater um papo, botando a conversa em dia. Estava igual, apesar do tempo transcorrido: descontraído, alegre e conversador. Então me contou algo inesperado: superara um câncer no estômago. Sofreu muito, mas conseguiu se recuperar e seguir em frente com a mesma força de viver e a mesma esperança na vida. Mas, enfim, depois de um bom tempo de conversa, quando já estávamos quase nos despedindo, próximos do carro, me olhou sério e disse:
– Preciso te contar uma coisa.
Não existia mais alegria na voz, nem no olhar. O escudo de proteção baixara. Deu um suspiro triste e começou a contar o que trazia escondido no lado esquerdo do peito. A tristeza de um pai. Contou-me, então, que a sua linda filha, justamente a mais linda e inteligente, aquela que realizaria o seu sonho e o seu ideal da juventude, sofria de esquizofrenia. Cerca de quatro anos usando maconha fora o bastante: de usuária eventual e escondida a dependente; depois, de dependente a doente de esquizofrenia. Esquizofrênica.
A palavra lhe doía. Mas precisava me contar tudo. Gastara o que tinha e o que não tinha, mas nada era o suficiente para o tratamento. Às vezes, disse ele, ela passava um tempo bem, aparentemente normal. Nisso, durante um simples almoço, por exemplo, olhava para ele e perdia o contato com a realidade:
– Pai, tá saindo fios da tua cabeça.
O que dizer a ele? Nada. Apenas lhe dei um abraço forte. Foi o que bastou. Ele me abraçou e chorou no meu peito como se fosse uma criança. Chorou convulsivamente. Encharcou a minha camisa com as suas lágrimas. Eu, na esquina da Praça, defronte ao antigo Tribunal de Justiça, olhei em volta e não sabia o que fazer. Não adiantou olhar para o Tribunal, para a Assembléia Legislativa, nem para o Palácio Piratini. Nem para a Igreja da Matriz.
Não existiam palavras a serem ditas para aquele pai.