Por Miguel Tedesco Wedy, decano da Escola de Direito da Unisinos e advogado criminalista
Uma república autêntica e verdadeira é compatível com medidas como a anistia, a graça e o indulto? Muitos autores que defendem a ideia de retribuição penal entendem que não. Entendem que tais medidas violam a igualdade entre os cidadãos, descumprem os objetivos da pena e sua proporcionalidade. Porém, diante de nossa herança judaico-cristã não podemos deixar de trabalhar com a ideia de perdão. Quando uma sociedade perde a capacidade de tolerar e perdoar o outro, ela caminha para a desintegração, corroída pela vingança, pelo ódio e pelo punitivismo.
É importante recordar que países democráticos como os Estados Unidos também trabalham com a ideia de clemência. Basta recordar o caso de Nixon ou o caso do general Lee, comandante do exército confederado na guerra da secessão, que recuperou postumamente a sua cidadania, mais de cem anos depois de sua morte.
A nossa Constituição democrática de 1988 também entende assim. Porém, diante do caos penitenciário, agravado com o entendimento do STF que permitiu a execução provisória da pena, o indulto se transformou em medida de política criminal, a fim de reduzir a população carcerária, que dobrou de tamanho nos últimos 12 anos, sem qualquer redução da criminalidade ou violência. O ideal seria que a medida tivesse uma finalidade humanitária.
Assim, tais institutos estão previstos na Constituição e, por conseguinte, podem e devem ser aplicados. A Constituição é o que é, não aquilo que eu quero que ela seja. Devemos ser escravos da Constituição, não senhores dela. É preciso reconhecer a plena constitucionalidade e operacionalidade do instituto do indulto. Mas ele é livre? O presidente tem poderes absolutos para fazer o que quer com o indulto? Parece-me que não! Em democracia não pode haver poderes absolutos ou selvagens. O presidente não pode ter poderes absolutos. Um ministro do STF não pode ter poderes absolutos. O Congresso Nacional não pode ter poderes absolutos.
Portanto, o indulto é medida discricionária do presidente da República, mas não pode ser arbitrária, como disse a procuradora-geral da República, Raquel Dodge. O indulto deve passar por um controle de constitucionalidade. Segundo a Constituição e a legislação infraconstitucional, não se pode indultar condenados em casos de prática da tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, de terrorismo e nos crimes definidos como hediondos. E, mais recentemente, na Adin 5874, o Min. Roberto Barroso estabeleceu novos balizadores ao indulto e vedou, mesmo sem previsão expressa na Constituição, é bom que se diga, a sua concessão para os casos de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, peculato e outros crimes de colarinho branco.
Enquanto tal decisão for considerada válida, o ex-presidente Lula e todos os condenados por tais crimes não poderão ser beneficiados pelo indulto.