Por Fernando Pitrez, médico
No momento em que a mídia, por seus múltiplos canais, informa sobre o alarmante número de feminicídios e homicídios que assolam nosso país, faz-se mister uma apreciação a respeito das causas desse grave problema motivado pela violência, em termos tanto individuais quanto coletivos.
Entre tantas, parece-me pertinente salientar uma de natureza anímica de difícil comprovação mas de fácil compreensão: a contradição entre a razão e o instinto.
O ser humano, guindado ao ápice da escala animal, privilegiado pela consciência de sua própria existência, autoproclama-se como uma entidade superior, inclusive amparado por concepções religiosas, como feito à imagem e semelhança divina.
Se por um lado isto é verdadeiro, de outra parte a realidade mostra ser o homem um ente paradoxal e, por vezes, incompreensível em suas atitudes. Em contraste com grandes conquistas científicas, bem como de elogiáveis sentimentos de ternura, afeto e compaixão, é dominado por incontroláveis impulsos de destruição, intolerância agressividade e rancor.
Mesmo na era contemporânea, em que o intelecto e a cultura procuram aperfeiçoar-se e em que a razão intenta prevalecer, ainda assim é incapaz de refrear e dominar o instinto maléfico.
Este é um dos grandes enigmas da humanidade e que desafia aqueles que se ocupam com esse tema. A consciência e o instinto convivem em permanente conflito, de tal sorte que a moldagem da personalidade é permanentemente afetada por esse estado colidente entre a racionalidade e a impulsividade, gerando uma incrível contradição, uma verdadeira luta do bem contra o mal. Às vezes, tem-se a impressão de que a selvageria está incrustada no imo do ser humano.
O permanente antagonismo entre essas duas entidades antagônicas vai determinar o comportamento frente às circunstâncias tanto em nível individual quanto na coletividade. O homem, ao mesmo tempo em que é capaz de imolar-se na tentativa de salvar um ser vivo da morte, de outra parte contempla impassível e inclusive é autor de homicídios sórdidos e cruéis, como vem ocorrendo diariamente, banalizando-se os atos e ações violentas na sociedade atual.
Na verdade, o ser humano, ainda hoje, carrega consigo, como trágica herança, o impulso agressivo de nossos ancestrais pré-históricos, talvez como reação ao meio hostil circunjacente em sua luta permanente pela sobrevivência. Principalmente nos tempos mais atuais, em que a miséria e a desesperança se agigantam e paralelamente se apequenam os valores éticos e morais, esta lógica é percebida com clarividência, possibilitando a libertação da besta interior reprimida. Como consequência, emerge de maneira assustadora e incontrolável a onda de violência que assola a humanidade.