Por Mauro Luís silva de Souza, promotor de Justiça, professor de Direito Sanitário da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP)
Há séculos se luta contra doenças infecciosas que dizimaram parcela considerável da população, como a peste em 1348 e a cólera no século 19. A descoberta dos germes e o desenvolvimento das vacinas trouxe alento, constituindo-se num dos principais responsáveis pela duplicação da expectativa de vida na primeira metade do século passado. Graças às vacinas, crianças e adultos deixaram de morrer precocemente.
A partir de 1920, todo um aparato legislativo, administrativo e de pesquisa científica foi montado para torná-la permanente, obrigatória e acessível à população.
O artigo 29 do Decreto 78.231/76 estabelece ser dever de todo cidadão e das pessoas que tiver sob sua responsabilidade submeterem-se à vacinação determinada pela autoridade sanitária, só se dispensando quando motivos médicos comprovados a contraindiquem. A Portaria de Consolidação nº 1 de 2017 do Ministério da Saúde estabelece o calendário nacional de vacinação e os casos obrigatórios.
O §1º do art. 14 do ECA faz obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades, falta que pode demandar multa e até suspensão do poder familiar (art. 249 do ECA).
A Lei 6.437/76, art. 10, inc. VII, torna infração sanitária, que pode ser apenada com multa a partir de R$ 2 mil, dificultar ou opor-se à execução de medidas sanitárias que visem à prevenção das doenças transmissíveis e sua disseminação. Isto sem prejuízo das demais sanções civis ou penais.
Se há um setor do SUS que funciona é o Programa Nacional de Imunizações, que com uma ação conjunta das três esferas estatais visa atender a toda a população brasileira espalhada em mais de 5,6 mil municípios.
Por isso é desalentador constatar que o Ministério Público tem sido chamado a intervir quando pais, alegando terem notícias da internet (fake news?) que dão conta de efeitos nocivos das vacinas, crenças religiosas que só admitem remédios naturais, ou sua liberdade ideológica e individual, não levam seus filhos para a vacinação. Ora, além de estarem expondo seus filhos a doenças, algumas delas que estavam sob controle e que por comportamentos desse tipo reemergiram, como coqueluche e sarampo, também expõem as demais crianças a esses riscos por facilitarem a circulação dos germes, certo é que não abrem mão de colocar seus pupilos em creches e escolas, muitas vezes custeadas pela sociedade e pelo Estado. Logo, por maior que seja minha liberdade individual, de consciência ou de crença, isto não me autoriza a pôr em risco a saúde e a segurança alheias.
A saúde é direito de todos e dever do Estado, mas que se realiza por políticas públicas que não excluem a responsabilidade dos indivíduos, da família, do mercado e da sociedade (§2º do art. 2º da Lei 8.080/90). Por isso, em caso de dúvida, consulte o profissional de saúde de sua confiança ou vá até o posto de saúde mais próximo; eles saberão esclarecer todas as suas dúvidas e aplacar seus medos, mas não deixe de vacinar seu filho.