O governo nicaraguense de Daniel Ortega, inspirador da esquerda latino-americana com o ideário sandinista, vem promovendo uma repressão tão violenta quanto a da ditadura de Anastasio Somoza contra a qual lutou para derrubar no final dos anos 1970. A desproporção no uso da força usada hoje contra manifestantes do país da América Central levou a Organização dos Estados Americanos (OEA) a aprovar documento no qual "condena vigorosamente" os atos de repressão. Entre as centenas de mortes, que são lamentáveis e precisam ser sustadas de imediato, está a da estudante brasileira de medicina Raynéia Gabrielle Lima, vitimada a tiros.
Com os excessos que se mantêm desde abril, quando a população saiu às ruas, inicialmente, para protestar contra a reforma da previdência, o governo nicaraguense começa a perder apoio entre a mesma esquerda para a qual sempre serviu como parâmetro. Ao optar por um caminho semelhante ao do chavismo da Venezuela, a Nicarágua acabou aparelhando a máquina pública com integrantes da Frente Sandinista de Libertação Nacional. Ao mesmo tempo, passou a perseguir a mídia e opositores políticos, além de impor o controle das instituições pelo Executivo, enfraquecendo-as.
Lamentavelmente, esse regime criminoso segue com apoiadores em toda a América Latina e, inclusive, no Brasil, entre os quais integrantes do PT. Um dos que decidiram reagir, retirando seu apoio ao regime, foi o senador José "Pepe" Mujica, ex-presidente uruguaio, que alertou para os excessos: "Um sonho que se desvia, cai em autocracia". Ao perseguir manifestantes, o governo nicaraguense mostra até que ponto pode chegar o esquerdismo anacrônico e autoritário. Além da força bruta nas ruas, Daniel Ortega vale-se de uma lei para a qual basta se opor à opressão do regime e a nicaraguenses pró-governo conhecidos como "grupos de choque" para ser considerado terrorista. Em consequência, cai nos mesmos excessos da ditadura sanguinária que pretendeu substituir.
A saída para o impasse na Nicarágua precisa ocorrer pela via democrática, o que depende do estabelecimento de um ambiente adequado para o bom senso e o diálogo. As mortes registradas em consequência da perda de controle interno no país não podem ficar impunes e servem como um trágico alerta do que costuma ocorrer quando a democracia se transforma em vítima.