Por Rafael Bittencourt Santos, mestre em filosofia pela UFRGS
O projeto Escola Sem Partido tem como um dos seus objetivos impedir o doutrinamento ideológico no Ensino Básico. Contudo, a compreensão vaga do que é "doutrinamento ideológico" acaba por torná-lo um projeto que torna juridicamente insegura a profissão docente, em especial naquelas áreas que lidam com temas políticos e morais. A falta de clareza a respeito do que constitui essa doutrinação levará à arbitrariedade na avaliação da atuação do professor.
Por exemplo, em uma de suas versões, prevê-se a fixação em sala de aula de um cartaz com os deveres dos professores, dentre eles o de não incitar os "seus alunos a participarem de manifestações, atos públicos e passeatas". Pense-se em uma aula cujo objetivo é esclarecer o que é política, ampliando a compreensão do termo para além do que chamamos hoje de política profissional, aquela feita pelos deputados e senadores. Política envolve, no seu sentido mais amplo, a deliberação acerca de como viveremos enquanto uma comunidade. A ação política, por sua vez, não tem em seu escopo somente o voto e a discussão na tribuna da Câmara. Quem participa da sua associação de bairro age politicamente, bem como quem participa de atos públicos. Isso não precisa ser dito para ser percebido.
Esse esclarecimento é uma incitação à manifestação? Ele pode levar o aluno a se fazer mais ativo politicamente, vendo nesse tipo de ação um meio legítimo para a defesa dos seus ideais. Em certo sentido, o professor incentivou a sua participação em manifestações e passeatas. Todavia, seria absurdo puni-lo pela apresentação de uma noção comum do que é política.
A legislação proposta pode pretender evitar somente que o professor diga que os alunos devem ir em um ato específico ou que o professor diga que os alunos devem participar de atos em geral. Todavia, leis não são meras pretensões nem são lidas apenas assim. Ficando a decisão do que é doutrinamento ao arbítrio de um fiscal ou juiz qualquer, temos a efetivação da censura na escola. Porque, para estabelecê-la, não é preciso chegar à punição de fato, basta a sua ameaça presente e forte.