Por Pedro Dutra Fonseca, professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS
Na entrevista de Manuela D’Ávila ao programa Roda Viva, controversa pelas mais de 40 interrupções, um entrevistador questionou-a sobre a Carta del Lavoro de Mussolini, a qual seria a “mãe” da legislação trabalhista de Vargas. No afã de imputar a simpatia da entrevistada a uma lei fascista, ignorou-se que os comunistas, presos e exilados no Estado Novo varguista, foram os primeiros a explorar semelhanças entre ambas as leis. Na época, entendiam que direitos como férias e 13º salário eram concessões burguesas, a “entrega de anéis para não perder os dedos”. A palavra de ordem era “revolução já”. Mais um equívoco de Luiz Carlos Prestes: como convencer alguém que nunca gozara férias de que essas eram mero engodo burguês para amortecer sua consciência? Os comunistas isolaram-se da massa trabalhadora e seu espaço foi ocupado pelo PTB. Ninguém conseguia entender por que ser contra Vargas e a tal carta italiana aos quais, afinal, se atribuíam tantos direitos.
Hoje, é ultrapassado interpretar as leis varguistas como simples cópia da Carta del Lavoro. Pontos comuns entre ambas não sustentam a hipótese, e mesmo comunistas já não a defendem. Leis do trabalho foram introduzidas no Brasil no bojo de mudanças como voto secreto e extensivo às mulheres, previdência, jornada de oito horas e direitos que remontam a demandas sociais do século 19, muito anteriores ao fascismo. Mesmo a unicidade sindical, adotada por este, vigia em vários países democráticos. O modelo “pluralista” defendia que a mesma categoria poderia ter vários sindicatos: o cristão, o trabalhista, o comunista etc. Já a unicidade apregoava que a disputa ideológica seria feita por chapas na mesma agremiação, única em cada jurisdição. A tese da desembargadora Magda Biavaschi, sobre O Direito de Trabalho no Brasil, mostra com maestria que a preferência por um dos modelos dividiu os sindicalistas desde sua origem.
Surpreendente é que as leis varguistas, 80 anos depois, ainda incomodem. A aversão não é ao fascismo nem à Carta, mas aos direitos sociais e à Justiça do Trabalho, que se quer os ver extintos. Haja vista a indisposição para ouvir e o clima inquisitorial e expressionista do programa, a lembrar filmes sobre a Alemanha pré-nazismo, como O Vampiro de Dusseldorf e A Fita Branca.