Por Pedro Dutra Fonseca, professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS
A entrevista de Eduardo Giannetti na Superedição de Zero Hora (dias 9 e 10 de junho) lembra aqueles filmes de diretor medíocre: começa bem, mas lá pela metade desanda. O economista inicia propondo que o “complexo de vira-lata” do brasileiro – sua baixa autoestima – seja assumido como celebração às peculiaridades do país e não como defeito. Nas aulas de Interpretações do Brasil, na Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da UFRGS, recorro ao conto Um Homem Célebre, de Machado de Assis, para referir ao que denomino “complexo de Pestana”. Esse era compositor de “buliçosas polacas” – a música brasileira nascente, com mistura de ritmos africanos – as quais o consagravam como celebridade. Mas Pestana tinha vergonha: queria compor noturnos e minuetos e ser famoso na Europa.
Depois de refletir como empresários se apropriaram do Estado para prosperar nos negócios, o que apropriadamente lembra uma elite predadora, o economista faz apologia a um levante à la Revolução Americana: uma “rebelião tributária” – ou insurreição para implantar a ordem liberal. Ora, todos sabemos que revoluções só podem ser defensáveis como última alternativa, cujo custo social e político deixa sequelas e cicatrizes. No caso dos EUA de 1776, não era apenas uma rebeldia à taxação, mas também nacionalista, pois era contra o colonialismo inglês. E este não poderia ser derrubado dentro da lei. No Brasil, de fato, a carga tributária é alta, mas sobretudo regressiva, pois recai relativamente em quem tem renda menor. Para alterá-la não há necessidade de rupturas institucionais: se há indignação para um levante, seria mais sensato expressá-la nas urnas e fazer alterações dentro das regras do jogo democrático. A própria Constituição prevê mecanismo para reformá-la. As eleições estão logo ali.
Nosso Pestana do momento sabe bem que rebeliões, uma vez iniciadas, adquirem vida própria. Insurreições do século 20, como de Rússia e Cuba, até iniciam com bandeiras liberais, mas em poucos meses transformaram-se no seu oposto. No caso do Brasil, logo virá à tona não só o tamanho da carga tributária, mas quem a paga e quem é isento. Recorrer ao exemplo dos EUA do século 18 como caminho ao liberalismo não só cheira a irrealismo, como mostra que mesmo pessoas preparadas, no afã de defender suas ideias, vão ao limite de apologias descabidas. Como era mesmo o nome do complexo?