Diogo Nogueira, herdeiro do talento musical do pai, João Nogueira, morto há quase duas décadas, surpreendeu em entrevista ao afirmar que ambos vêm compondo juntos, em sonho. O psicanalista Mário Corso garante não acreditar em vida após a morte. Ainda assim, afirma em sua última e memorável crônica: "Não posso deixar de notar que os nossos mortos nos assombram."
Gratidão a ambos por admitirem que podemos perceber vida e morte sob um outro ângulo: o mesmo, pois integram algo indissociável. Por comodismo, por conveniência e até pelo temor de parecermos estranhos além do admissível, tendemos a encarar o mundo apenas pelo seu lado palpável. Algo assim como se estivéssemos diante de uma verdadeira Matrix, essa espécie de teia que embaça a mente e deu título ao filme. Sem querer, ou às vezes pelo fato de ser o que nos resta, nos escravizamos ao que encobre o essencial, deixando que se imponha uma visão distorcida do todo.
As facilidades das tecnologias expõem, muitas vezes de forma caricata, nossa obsessão por registrar permanentemente o óbvio que nos cerca. É como se, ao fotografar, gravar em vídeo ou descrever em palavras, compartilhando o que está na superfície para comprovar nossa existência, tentássemos eternizar momentos de suposta concretude. Seria tudo muito simples se, na maioria das vezes, o que realmente importa não estivesse fora do alcance dos smartphones, dos nossos sentidos. E isso ocorre por estarmos limitados pelo turbilhão de irrelevâncias do dia a dia.
Quem avança no tempo, não tem como escapar a uma aula: aquela na qual aprendemos na dor que pessoas insubstituíveis vão ficando pelo caminho. Cada uma delas nos deixa no mínimo o legado de um testamento sentimental de valor incalculável. Em alguns casos, é como se continuassem conosco para sempre, mesmo quando fazemos um esforço para nos desapegar. E, então, é como se percebêssemos algo diferente em meio a essa poeira dos mortos que paira no ar, na vida, no céu com suas nuvens mutantes, na espuma esculpida pelos oceanos, no silêncio, no assobio do vento sobre o topo das montanhas, no olhar que não deciframos, na nossa própria sombra...
Onde foi parar, em segundos, o desencanto de milhões de brasileiros quando o desejo de trazermos a Copa da Rússia se foi?
Alguém parou para pensar onde foi parar, em segundos, o desencanto de milhões de brasileiros quando o desejo de trazermos a Copa da Rússia se foi? Nesse caso, pelo menos, a esperança e as ilusões serão retomadas daqui a pouco, em quatro anos. Difícil mesmo é entender outros mistérios ocultos que nos rodeiam, e para os quais quase não damos importância. Por exemplo: para aonde vão os sonhos irrealizados? Ou: onde se acumulam os sentimentos findos, que até há pouco nos pareciam eternos? Mais: que rumo tomam as palavras dos poemas improvisados, não escritos?
Sabemos que as flores se extinguem disseminando pólen ao vento para continuar nos fascinando. Os animais de estimação, de existência tão fugaz, conhecem o jeito de viver para sempre na nossa memória. Mas o que fazemos nós, humanos, para continuarmos por aqui, de alguma forma, mesmo quando passarmos a ideia de já não estarmos mais?
Jorge Luis Borges, na sua sabedoria e genialidade, disse que "nada se edifica sobre a pedra, tudo sobre a areia, mas nosso dever é edificar como se fosse pedra a areia..." Então, por que não ousarmos mais?
Antes mesmo da banalização dos avanços tecnológicos, Nat King Cole, o Unforgettable, apareceu num dueto gravado 25 anos depois de sua morte com a filha Natalie, herdeira de sua paixão pela música e da voz aveludada. Agora, Diogo e João Nogueira ensaiam uma insólita parceria. Alguma dúvida sobre a solidez de rocha da admiração de ambos por seus pais, que a morte tentou dissolver?
Quando os sonhos se esboroam, deixando o vazio da perda, surge uma oportunidade de repensarmos a realidade. A criatividade nos aponta um caminho, não apenas no futebol, com sua impressionante capacidade de movimentar pessoas e cifrões, mas também na arte, em todas as suas formas de manifestação.