De quatro em quatro anos, com a Copa, voltamos a nos questionar sobre o que significa, afinal, ser brasileiro. No nosso mundo interior, demoramos a perceber que a humanidade avança, principalmente se ficamos patinando sobre nossas concepções. Na Rússia, a bola é igual à do Mundial de 70, quando o uso de cartões foi considerado um avanço para os árbitros. A diferença é que, nesse show de tecnologia no qual se transformou o futebol, parece menos bola e mais um computador.
De quatro em quatro anos, a Copa nos oferece essa oportunidade imperdível de refletirmos sobre o que queremos dela, sobre o que somos e o que pretendemos ser quando soar o apito final.
Nossos craques, globalizados, têm mais a ver hoje com times europeus e asiáticos do que com a Seleção. Lembram pouco de uma época em que a camiseta canarinho era usada mais para amistosos de torcida hegemônica no Brasil, não para manifestações divisionistas. Acompanhar a carreira da elite do futebol brasileiro virou exclusividade de quem pode assinar televisão a cabo.
É bom? É ruim? É que nem nós, na nossa condição de brasileiros. Não somos nem mais nem menos do que outras nacionalidades, cada uma delas com sua herança atávica. Ainda assim, somos peculiares – naquilo que temos de positivo e de negativo. Há mais de 500 anos, “a polícia nos dispersa/ e o futebol nos conclama”, escreveu Affonso Romano de Sant’Anna no poema cujo título é uma síntese de nossas catarses quadrienais: Que país é este?.
Por isso, gostamos de causar pelo mundo, sorrindo com o polegar para cima. Puxamos conversa na rua – e em voz alta. Nos recusamos a fornecer informações na rua com evasivas. Mal conhecemos alguém e já partimos para um beijo, ou três. Pegamos pelo braço. Conforme a receptividade, vamos avançando. Gostamos de contar toda a nossa vida, em detalhes. E ainda retribuímos a atenção com inocentes perguntas invasivas.
Essa intimidade instantânea é nossa marca, mas nos mantêm o tempo todo num limiar de risco. Do jeitinho, podemos saltar para a permissividade. Da crença de que a lei vale só para os outros, muitas vezes, escorregamos na ética. E o que dizer de promessas que não se cumprem? Do direito que nos atribuímos de jogar papel no chão no qual os outros vão pisar? Insistimos ainda, pois convém, que a mobilidade social vai se encarregar de resolver a brutal desigualdade de renda. Mas quando? E como?
Esse jeito de ser está também na origem de nossa admirável espontaneidade, da vocação para o improviso e para a arte – incluindo o futebol. Ajuda a explicar ainda por que relevamos ganhos para craques e cartolas incompatíveis com tempos de austeridade. E, até certo ponto, por que tendemos a fechar os olhos para desvios no futebol, para modelos anacrônicos de gestão esportiva, para um bilionário comércio nada transparente dos jogos.
Ainda assim, de quatro em quatro anos, a Copa nos oferece essa oportunidade imperdível de refletirmos sobre o que queremos dela, sobre o que somos e o que pretendemos ser quando soar o apito final. E de torcer, sem culpa. Nossos craques representam um Brasil distante, que já não sabemos bem o que é. No campo e fora dele, temos virtudes e defeitos, mas preservamos a tolerância, para o bem e para o mal. Esses somos nós, os brasileiros.