Todos os dias, bem cedo, e por um período de tempo que vai ficando longo de forma exasperante, no mínimo 13 milhões de brasileiros dormem e acordam com uma única e obsessiva preocupação: andar por aí atrás de uma oportunidade de trabalho. É como se mais do que a população inteira do Rio Grande do Sul reunisse suas últimas forças para sair da cama na mesma hora e decidisse ir em busca de um ganho fixo. E, então, é como se cada um desses homens e mulheres tão sem perspectivas e tão desamparados fizesse o possível para circular o máximo gastando o mínimo de sapato. A jornada é longa. No Estado, movimenta pessoas de extremos que vão de Torres a Barra do Quaraí, de Alpestre até depois de Santa Vitória do Palmar, o tempo todo, sem parar.
Tudo muda, até o mercado de trabalho. Nada é nosso ou eterno, nem o emprego.
Há algo a mais em comum entre esses tristes símbolos de nosso tempo, além do sonho de uma oportunidade para custear a vida, que é cara, com o próprio salário. Todos têm em comum a mesma mistura de esperança e desencanto, de conformismo e indignação. Todos se debatem diante de um certo sentimento de inferioridade devido a essa condição desvantajosa e até mesmo à roupa que vai envelhecendo sem ter como ser substituída, por falta de dinheiro. Murmuram orações mudas para dissipar o desânimo semelhante a cansaço e o peso da frustração, que precisa ceder espaço no peito para a chama já tão débil da autoestima. Sabem que no dia seguinte tem mais. Que é preciso preservar a fé, inclusive neles mesmos.
São tantos os brasileiros nessa vibe negativa, que, se decidissem sair à rua na mesma hora, da nascente do Rio Ailã, em Roraima, até o Arroio Chuí, da paraibana Ponta do Seixas ao Rio Moa, junto ao Peru, provavelmente teríamos um verdadeiro abalo sísmico. O número se descontrolou de tal forma, que cada um de nós tem pelo menos um desempregado próximo. Você tem o seu? É um familiar? O filho de um amigo? O parente de um conhecido? Pois já se lembrou dele hoje? Por que não nesta segunda-feira pós-Copa do Mundo? De preferência, antes que nossa atenção seja desviada de novo. Os pré-candidatos já ensaiam ocupar o espaço vago com uma campanha eleitoral mais vaga ainda.
Quando se está desempregado, tudo se arrasta e parece pesar mais, a começar pela vida. Bolha nos pés é o de menos. Pense nas contas chegando – a maioria delas enviada por quem prefere ficar apontando culpados a buscar soluções para essa calamidade silenciosa. Pense na aflição de um pai ou mãe sem conseguir explicar a situação às crianças. Pense na dor de uma filha ou filho querendo ingressar profissionalmente no mundo que legamos a essa e às futuras gerações.
Tudo muda, até o mercado de trabalho. Nada é nosso ou eterno, nem o emprego. É possível até que as oportunidades de ocupação nem voltem depois de passada a crise. Se voltarem, não serão mais como antes desses tempos líquidos, nos quais todas as certezas ruíram. O que não dá é para desanimar. Quem cai no desalento vira um nada até para as estatísticas oficiais, que levam em conta só quem segue na batalha.
Os caçadores de emprego precisam prosseguir de cabeça erguida. Como nos alerta o economista Eduardo Giannetti, "o comportamento exploratório – ousar o novo, tentar o não tentado, pensar o impensável – é a fonte de toda mudança". Nem todos conseguem, mas situações de perda, e não só do emprego, têm potencial para suscitar transformações inimagináveis.
Só quem passa pela experiência sabe o que significa não conseguir se sustentar. Diante de alguém nessa condição, é proibido ficar indiferente. Se puder, tente ver além dos números, chamando a pessoa pelo nome. Aproveite e diga algumas palavras edificantes. Tente animá-la e acene com possibilidades.
Se possível, hoje e todo dia, abrace um desempregado. Incentive outros a fazerem o mesmo. Há tantos por aí, que esse gesto pode balançar o gigante adormecido, levando-o, finalmente, a despertar para a tragédia.