Eles são 4,63 milhões de brasileiros. Homens e mulheres sem ocupação, que desistiram de procurar trabalho porque perderam a esperança de conseguir. Tecnicamente, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são classificados como desalentados e não entram nos cálculos de desocupação. Na prática, são a face oculta do desemprego e simbolizam – ainda que de forma latente – a gravidade da crise que o país tenta deixar para trás.
O fenômeno é alvo da atenção do IBGE desde 2012, quando passou a ser medido a cada trimestre na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. No último levantamento, divulgado em maio, o número bateu recorde no Brasil: foi o maior da série, superou a população do Uruguai e cresceu 12,4% em relação aos primeiros três meses de 2017.
A maioria dos desalentados está concentrada no Nordeste e se declarou parda. São principalmente mulheres, têm entre 18 e 24 anos e Ensino Fundamental incompleto. Somente 3,6% informaram ter concluído curso superior.
Menos afetado pela onda de demissões, o Rio Grande do Sul também é um dos Estados onde o problema tem menor amplitude. Ainda assim, o IBGE contabilizou 65 mil pessoas em desalento. É como se todos os habitantes de Campo Bom, município do Vale do Sinos, estivessem desempregados e parassem de buscar oportunidades por acreditar que não têm vez.
— O Sul tem baixos índices de subutilização da força de trabalho, mas isso não quer dizer que as coisas vão bem. Assusta tanto quanto no Nordeste, porque, no passado, era uma região caracterizada pelo pleno emprego — diz Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE.
No contingente de desalentados, estão gaúchos como Erick, Iara, Janice e Jorge, cujas histórias e angústias são retratadas por GaúchaZH. Moradores da periferia de Porto Alegre, eles traduzem o sentimento de frustração de quem cansou de ouvir "não" e dependem do apoio de familiares e amigos para sobreviver.
Todos, sem exceção, peregrinaram por agências de recrutamento, entregaram currículos e participaram de entrevistas. Madrugaram em filas ao relento e buscaram vagas meses a fio. Fracassaram porque foram considerados velhos demais ou pouco experientes, por falta de qualificação ou por não haver oportunidade na área de interesse. Até hoje, esperam retorno.
— Em cada lugar que a pessoa vai, vê centenas de candidatos e, depois de algumas tentativas frustradas, se coloca para baixo. Quanto mais tempo fica fora do mercado, mais difícil é voltar. É uma armadilha — define Carlos Henrique Corseuil, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e editor do Boletim de Mercado de Trabalho da instituição.
Embora a arapuca seja resultado da crise, os desalentados não são contabilizados na taxa de desocupação do país – que caiu no primeiro trimestre de 2018 em comparação com o mesmo período de 2017. Pelos critérios oficiais, são considerados desocupados apenas aqueles que correram atrás de alternativas. Quem parou de procurar é excluído do cálculo. Nem por isso pode ser ignorado.
— A taxa de desocupação caiu, mas caiu porque aumentaram o desalento e a subocupação dos trabalhadores — pontua Azeredo.
Se o cenário é motivo de inquietação, está longe de ser irreversível. A reação, segundo o especialista em mercado de trabalho Bruno Ottoni, da Fundação Getulio Vargas, depende dos rumos da economia daqui para frente e pode ser acelerada por decisões individuais que independem do fim da crise.
— As pessoas pensam, muitas vezes, que é melhor esperar o país voltar a crescer para só então tentar se reinserir no mercado. Mas é muito ruim parar. Um bom começo para superar o desalento é apostar em qualificação — recomenda o economista.