Por Evander Bica, diretor de Comunicação do Sindicato dos Árbitros do RS, designer e empresário
Tomando um chopinho, sozinho, em um boteco qualquer, lembrei de meu avô contando sobre os golaços de Garrincha, jogador que ele defendia ser o melhor de todos os tempos. Mas peraí, meu avô viveu toda sua vida em Erechim, norte do Estado, poucas vezes esteve na Capital e raríssimas vezes entrou em algum estádio por aqui.
Meu avô nunca viu Garrincha jogar, porém escutou histórias, comentários, pessoas imitando suas jogadas, e assim, em sua mente, criou a fantasia de um grande jogador. Mesmo sem "ver", ele tinha seu ponto de vista, sua visão, seu sonho. A tecnologia nos mostra tudo, diversos ângulos em inúmeros meios e formatos. Discutimos esquema tático, potencial físico, estratégia, gráficos, estatística, números. Números, números... Aqui aonde eu queria chegar, com tanta informação, são equações que entram em campo, a mensagem de Sócrates e a imaginação do meu avô estão agonizando.
Essa ansiedade por números aparece dentro e fora do campo. Seria insano deixar de lembrar uma citação de Eduardo Galeano, em sua obra Futebol ao Sol e Sombra: "Foi impondo um futebol de pura velocidade e muita força, que renuncia à alegria, atrofia a fantasia e proíbe a ousadia. Por sorte ainda aparece nos campos, embora muito de vez em quando, algum atrevido que sai do roteiro e comete o disparate de driblar o time adversário inteirinho, além do juiz e do público das arquibancadas, pelo puro prazer do corpo que se lança na proibida aventura da liberdade".
Em uma sociedade refém do relógio, nada mais óbvio do que essa mentalidade ir para dentro do estádio e pular para fora pela televisão. O torcedor consegue ter uma grande capacidade cognitiva para acompanhar todos esses dados, porém é carente do romance que o esporte como arte pode lhe trazer. Certo dia, marquei um churrasco com amigos para ver uma partida. Todos me questionaram: "Churrasco pra esse joguinho, vale a pena?". Eu respondi: "Não, é um joguinho para esse churrasco".
É um eterno aprendizado saber equilibrar os momentos, usar o futebol como arte e evento de encontro, como ferramenta para nosso lazer, se vai ganhar ou perder, pouco importa, o objetivo é ser feliz, amar, sonhar. Sonhar, sonhar, como ir longe na imaginação em um esporte que só é valorizado através de números, onde está a arte do futebol, onde está o futebol-arte?
Como vamos cobrar alegria do torcedor se os valores em nossa sociedade giram em torno do relógio, de números, de contas, de desempenho? Também quero performance na minha equipe! Calma, vamos ser inteligentes emocionalmente, seguimos trabalhando, porém vamos ver o futebol com alegria. Se achas que o estão usando para te manipular, usa do mesmo veneno, utiliza o futebol para ver alguém distante, usa como pretexto para algum encontro, futebol é um grande teatro.
Nos jogos da Copa, não ficaremos cegos ao sistema, não somos ovelhas, mas vamos aproveitar para abraçar quem está do lado e sonhar com jogadas que nunca vão existir. Ganhamos, perdemos, igual nos divertimos.