Ao retomar nesta quarta-feira o julgamento do foro privilegiado para deputados e senadores, o Supremo Tribunal federal turbina também um debate inadiável para um país que se pretende alçar ao rol das nações civilizadas: para quem e para que de fato se necessita de tratamento diferenciado no âmbito da Justiça? No Brasil, há nada menos que 55 mil autoridades beneficiadas por alguma espécie de diferenciação quando se trata de prestar contas à Justiça. Além do presidente da República e dos ministros, de 81 senadores e 513 deputados federais, fazem parte deste segmento privilegiado 27 governadores, 5570 prefeitos, 15 mil juízes, 13,1 mil membros dos ministérios públicos, 476 conselheiros de tribunais de contas e 139 embaixadores.
Não resta dúvida de que parlamentares devem ter seu mandato inviolável, quando se trata de iniciativa ligada ao exercício de seu mandato, bem como devem ser protegidos magistrados quando exercem sua função de julgar, e assim por diante. Ou seja, o foro privilegiado e as demais prerrogativas garantidoras da independência e da eficiência de servidores e detentores de mandato têm uma função importante na democracia, desde que aplicáveis apenas e tão somente a eventuais litigâncias envolvendo a atividade profissional de agente público, no tempo em que ele estiver exercendo a função. Todo o resto pode ser considerado alguma forma de benefício, mesmo que legal mas não necessariamente moral, a ocupantes de determinados cargos públicos diante dos demais cidadãos. Por isso, é importante que o debate aberto pelo STF não se restrinja aos parlamentares federais, até para não parecer que haja direcionamento no exame de um privilégio.
A leniência com que os foros foram sendo concedidos revela muito da cultura legislativa e jurídica brasileira que permite incontáveis ferramentas legais para postergar decisões judiciais, mesmo a favor de quem não detêm foro, como se assistiu no episódio da condenação do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Extinguir os foros exagerados e inadequados – para todos – seria um passo à frente. Limitá-los apenas a parlamentares federais pode, ao contrário, transmitir uma sensação de discriminação a quem tem, entre suas atribuições, estabelecer leis que porventura descontem o próprio sistema jurídico.