Ainda que o SUS represente um grande avanço, pois pessoas antes desamparadas passaram a ter direito a bens e serviços de saúde, é improvável que se fale nele sem associá-lo à demora no atendimento e longas filas. Como temos uma cultura hospitalocêntrica, e não compreendemos as engrenagens do sistema, acabamos por buscar o serviço de maneira equivocada. Essa figura do cuidado assistencial ainda permeia o imaginário popular como o padrão de atendimento, resultando numa procura excessiva pelos serviços de urgência, inflando assim as filas dos prontos-socorros.
O maior sistema de saúde do mundo é jovem e afirma que a saúde é direito de todos e dever do Estado, uma proposta bastante ousada. Há de se argumentar que muitas pessoas de 30 anos, idade do SUS, ainda não conseguiram colocar suas vidas em ordem, ou não têm total autonomia social e financeira ou ainda, não possuem participação na vida comunitária. O que se dirá então do desafio de organizar de forma universal, integral e equânime, o bem saúde, fundamental na vida de mais de 200 milhões de pessoas.
Outro problema é a ideia de saúde como uma ilha, isolada e sem relações de interdependência com outras esferas de nossas vidas, uma vez que muitos dos problemas de saúde que assolam a população têm origem em falhas estruturais da sociedade. Neste sentido, não é possível falar de saúde sem abordarmos questões como segurança alimentar ou desenvolvimento comunitário. Sofremos a todo momento pressões externas, que influem no processo saúde-adoecimento. Essas pressões podem ter origem socioeconômica, cultural ou ambiental.
Não é mistério que pessoas com piores condições de vida adoecem mais. Um exemplo disso é a cárie, que além de ser a doença de maior prevalência no mundo, atingindo todas as nacionalidades e extratos sociais, aflige mais gravemente os menos favorecidos. Por isso, não podemos voltar atrás para um modelo que deixe esta parte da população, tão necessitada, desassistida.
Observando o panorama atual de estrangulamento dos serviços de saúde, é perceptível a necessidade de ação. Já existem no SUS soluções simples e eficazes, com retorno social imediato. Uma delas é substituição do antiquado modelo de fichas por um sistema de acolhimento, como o utilizado em Unidades Básicas de Saúde (UBS) sob gestão da Universidade Católica de Pelotas (UCPel).
Nesse modelo, quem chega à unidade sempre é atendido por um profissional da saúde, o que cria e fortalece vínculos com os pacientes. A maioria das necessidades espontâneas podem ser atendidas na UBS. Logo, o acolher em livre demanda não é falta de organização, é estar preparado para atender o que não foi programado.
Também não se deve ignorar ações de longo prazo. Para que o SUS cumpra seu papel é necessário um enfoque em iniciativas de promoção e prevenção da saúde, alternativas de baixo custo que acabam por diminuir a pressão e procura pelo serviço. Na condição de presidente da Liga Multidisciplinar de Educação em Saúde, tenho o prazer de estar à frente de ações desse tipo, onde junto ao Programa UCPel+Saudável levamos serviços complementares de saúde à comunidade. Realizar essa mudança do SUS que temos para o SUS que queremos é uma tarefa que pertence a todos nós. Vamos transformar?