Era 1h30min desta terça-feira (15) quando Cleber Languiçano, 41 anos, pediu um carro por aplicativo de transporte em direção à Rua Capitão Montanha, no centro de Porto Alegre. Com as ruas vazias, não demorou muito para o vendedor, que está desempregado, chegar ao destino. À 1h45min, ele desceu do veículo com uma cadeira de praia e sentou-se em frente à porta da Unidade Básica de Saúde Santa Marta — que atende 120 mil pessoas da região central da capital gaúcha. Começava, como primeiro da fila, a longa espera por uma ficha para consultar um médico clínico-geral.
Minutos depois, outras pessoas foram se posicionando na calçada. Às 7h, havia cerca de 150, todas com o mesmo objetivo.
— Estou desde 1º de maio sentido dores de cabeça e febre. No dia seguinte, vim no posto e me mandaram vir bem cedo para ser atendido. Na quinta-feira (10), cheguei às 4h30min e estranhei, porque eu era o único na fila. Fiquei até as 8h, quando um atendente me explicou que o atendimento só funcionava nas terças-feiras. Desta vez (dia 15), consegui marcar consulta para o dia 22.
De acordo com reclamações registradas no aplicativo Pelas Ruas, o número de fichas disponibilizadas muda toda semana, fazendo com que os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) cheguem cada vez mais cedo. As senhas começam a ser distribuídas às 7h. Quem consegue uma, entra no posto a partir das 8h.
A dona de casa Luciana Gonçalves, 39 anos, foi ao posto às 5h de 17 de abril para retirar uma ficha para clínico-geral. Ela conta que era a 45ª pessoa na fila e voltou para casa sem ser atendida. Na semana seguinte, chegou por volta das 3h.
— No balcão, me disseram que há muitos médicos se aposentando e, por isso, não tem gente suficiente — afirma.
A educadora física Danixa Janaina, 39 anos, relata que, por três semanas, entre fevereiro e março, chegou ao posto por volta das 3h30min para conseguir uma ficha de clínico-geral. Na última tentativa, quando conseguiu um número, o cedeu para um senhor que estava atrás. Indignada, desistiu de tentar ser atendida pelo SUS e procurou uma clínica privada:
— Ele estava muito mal. Achei a situação tão desumana que acabei cedendo meu lugar.
Pelo telefone, dificuldade de contato
A UBS Santa Marta disponibiliza um número de telefone para a marcação de consultas para idosos. O serviço funciona de segunda a sexta, das 16h às 17h.
— Já é ruim ligar somente das 16h às 17h, mas ninguém atende. Eu acabei desistindo e indo para a fila mesmo, tem vários velhinhos que tiveram de fazer o mesmo — diz a aposentada Selanira Ferreira, 77 anos.
Após relatos da dificuldade para contato, GaúchaZH ligou para o telefone indicado no site da Secretaria Municipal de Saúde (3289-2976) para marcação de consultas para idosos. Em 7 de maio, a reportagem telefonou 10 vezes entre 16h22min e 16h56min, e o telefone constou como ocupado. No dia seguinte (8), a reportagem ligou 12 vezes para o mesmo número, entre 16h02min e 17h02min, e conseguiu contato uma vez.
— É de um dia pro outro. Liga hoje pra tentar marcar pra amanhã. Não tem número (de marcações), depende do dia — relatou a atendente.
Os idosos que não conseguem marcar consultas pelo telefone driblam a espera do jeito que podem. Todas as terças-feiras, mesmo não precisando de atendimento médico, a aposentada Eva Marlete Campos, 74 anos, se reúne pela madrugada na Escadaria 24 de Maio com moradores de locais mais afastadas para que todos possam se dirigir à unidade juntos. Assim, a caminhada pelo breu das ruas do Centro acaba parecendo mais curta e segura:
— Não ganho nada para fazer isso. Ajudo porque é o certo a se fazer.
Migração de usuários da rede privada altera serviço
O coordenador da área de atenção primária da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Thiago Frank, reconhece que o número de profissionais médicos não é o suficiente para atender a toda a demanda da região. Ele diz que o problema tem se agravado nos últimos meses porque muitos usuários da rede privada estão abandonando os planos de saúde e começando a utilizar o SUS.
— Sabemos que não é o suficiente para atender todo mundo. A fila é uma consequência desse problema. Hoje, temos duas equipes de Saúde da Família (no Santa Marta). O ideal seria termos 40. Uma alternativa para essa população que não consegue ficha é ir ao Centro de Saúde Modelo, no bairro Santana, que tem atendimento até as 22h.
Nas próximas semanas, o Conselho Municipal de Saúde deve analisar a frequência de distribuição de fichas na frente do Santa Marta e a possibilidade de abertura do local para que os pacientes não fiquem esperando na rua. O número de senhas na fila e por telefone, entretanto, não deve ser alterado: a contratação de novos profissionais de saúde deve ocorrer somente em 2019. O coordenador diz que analisa formas para desafogar o trabalho dos médicos, passando mais casos e responsabilidades a enfermeiros e técnicos de enfermagem.