A autobiografia de Washington Olivetto é o relato de uma época que não volta mais. Eram outros tempos na publicidade, no marketing, nos negócios, nas relações com os clientes e, até mesmo, nas relações humanas pré-redes sociais. São episódios do século passado, quando as agências eram mais valorizadas, a vida era mais lenta, e os negócios, mais empáticos.
No entanto, algo me chamou a atenção. Naqueles tempos, também havia a inversão da lógica, a falta de bom senso e a convivência com o desrespeito e os absurdos. Também lá, como hoje, havia o cliente que contratava a agência mais criativa do país apenas para impedi-la de ser criativa atendendo sua conta. Também lá, como hoje, havia o gosto pessoal e o mero capricho tomando decisões no lugar da racionalidade técnica ou da intuição criativa. Lendo o livro, descobrimos que a Cerveja Antártica não deixava em pé nenhuma campanha apresentada, interferindo a tal ponto na criação que não restou alternativa para a agência senão abrir mão da conta pelo sentimento de impotência e desmerecimento. Também descobrimos que a Valisere, do brilhante e inesquecível “o primeiro Valisere a gente nunca esquece”, veiculava seus comerciais apenas na Rede Manchete, porque os donos eram seus amigos. O próprio comercial do primeiro sutiã veiculou apenas duas vezes na Rede Globo, por insistência da agência, que queria garantir a visibilidade da campanha. E, por fim, a Garoto, também de memoráveis campanhas, destruía os planos de mídia pensando em quantas máquinas de fazer chocolate aquele dinheiro poderia comprar. Acabava veiculando apenas boatos, que repercutiam graças à força criativa dos roteiros e à perfeita produção das peças.
Hoje em dia, achamos que a velocidade da era digital, a exigência por custos menores e a pressão por resultados imediatos obrigam agências e clientes a conviverem com situações que beiram o surreal. Mas, lendo tudo isso, é fácil perceber que absurdos não são exclusividades do nosso tempo. Assim como também é inevitável concluir que decisões contra a criatividade, contra o raciocínio lógico e contra dados técnicos levam as marcas e as agências a perderem relevância e tamanho. Antártica, Valisere e Garoto são hoje marcas menores do que já foram. O que só confirma que, no fim das contas, aprovar também é um ato criativo. E, talvez, seja o mais importante deles, porque é ele que define a vida ou a morte de uma ideia.