Quais as vozes estão autorizadas no contexto atual e quais as vozes que devem ser caladas? O Curso de Extensão sobre o Golpe de 2016 foi motivado pela tentativa de censura de uma disciplina ministrada pelo professor da UnB, Luis Felipe Miguel, pelo Ministro da Educação do Brasil. Entretanto, é inconstitucional e contra todas as leis que regem a educação superior no nosso país, a intromissão do Ministro na liberdade de cátedra.
A Constituição estabelece que o ensino será ministrado com “liberdade de condições de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”, com “autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) afirma que a educação superior tem objetivo de estimular a “criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo” e as universidades têm o direito de “criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior Cabe a elas “decidir, dentro dos recursos orçamentários disponíveis, sobre criação, expansão, modificação e extinção de cursos” e “elaboração da programação dos cursos”. Se a palavra tão negativada nesse debate – golpe – se refere às ações que fogem às regras democráticas, o que o Ministro tentou fazer fica evidente.
Somos várias vozes nesse contexto atual, complexo e múltiplo em interpretações.
CLAUDIA WASSERMAN
Diretora do IFCH da UFRGS
Os professores universitários de todo o país, defensores da liberdade de expressão, decidiram ministrar cursos semelhantes ao proposto na UnB. No caso da UFRGS, o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) está coordenando um Curso de Extensão, que se propõe a debater, à luz das pesquisas específicas de cada docente, quais são as fragilidades do sistema político brasileiro que permitiram a ruptura de 2016 e compreender as consequências da nova onda reacionária que se espalha pelo mundo e atinge o Brasil em particular.
As Universidades são no mundo todo lugares de problematização. As pesquisas de ponta são, em todas as áreas do conhecimento, voltadas para os problemas do presente. Se assim não fosse, do que nos serviriam? Por isso, o objetivo do curso é fazer perguntas ao nosso presente para entender a cultura antidemocrática incrustrada em nossa sociedade. Somos várias vozes nesse contexto atual, complexo e múltiplo em interpretações. O presente histórico não nos pertence, mas constitui matéria-prima de variados atores: jornalistas, juristas, políticos e pesquisadores de ciências sociais e humanidades. Todos os registros desse presente têm valor. Porque calar uma dessas vozes?
Michel Foucault nos sugere escutar “o ronco surdo da batalha”, que se processa precisamente a partir dessas múltiplas interpretações. Mesmo que no presente nos escape uma ou outra dessas interpretações, mais cedo ou mais tarde elas se farão ouvir. Assim, ainda que os docentes de uma unidade acadêmica ou de uma Universidade conseguissem produzir uma narrativa homogênea – o que é impossível, tendo em vista as características do conhecimento científico – entendida por outros setores como incorreta ou inverídica, não significa que essa interpretação tenha menor valor ou deva ser censurada.