A Constituição assegura ao réu no processo penal, da forma mais ampla possível, o direito de defesa, o contraditório, com os recursos e os meios inerentes, sendo vedado o emprego de provas obtidas por meio ilícito. Não se admite no Brasil, como em nenhum país civilizado, que sanção seja imposta sem o atendimento de tais garantias.
No entanto, a pretexto de assegurar essas garantias, criou-se no Brasil um sistema processual intrincado, em que perde relevância a análise do fato em favor de mecanismos processuais complexos, intermináveis recursos, que mais protelam do que esclarecem.
A Carta Magna prevê, após a apelação em segunda instância, dois recursos, o especial e o extraordinário, que possuem requisitos restritos de cabimento
ANTONIO CARLOS WELTER
Procurador regional da República
Embora ambos não tenham por objeto a análise da prova, do fato e seus aspectos (e a lei lhes atribui mero efeito devolutivo), o Supremo Tribunal Federal (STF) lhes conferia força para impedir a execução provisória da pena. Em decorrência, o acesso aos tribunais superiores passou a ser buscado cada vez mais, em um constante e infindável esgrimir de recursos, muitos descabidos, com os quais se tentava, reiteradamente, protelar o início da execução. A prescrição, muitas vezes, era o objetivo.
Algumas decisões do STF tornam tal afirmação clara, palpável. O recorrente deixa de buscar a revisão da sentença, tendo por propósito apenas protelar. Veja-se o RE nº 362828, que decidiu os Embargos de Declaração no Agravo Regimental nos Embargos de Divergência nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração em Agravo Regimental no Agravo de Instrumento no Recurso Extraordinário.
Os leitores não estão equivocados: foram oito sucessivos recursos, iniciando-se com o recurso extraordinário em 2001, até o processamento do último incidente, em 2007, quando determinado o cumprimento da pena dado o evidente caráter procrastinatório da iniciativa.
Em 2016, o STF alterou sua posição sobre a presunção de inocência, autorizando o início da execução da pena após o julgamento em segunda instância, imprimindo maior efetividade às decisões judiciais.
Todavia, agora movem forças jurídicas, com elas as políticas e econômicas, para fazer o STF dar um passo atrás, em clara oposição ao razoável.
A Justiça morosa ao extremo não é digna, nem justa. A história é rica em exemplos de como a demora na prestação jurisdicional mostra-se irrazoável. Em agosto de 2000, o jornalista Pimenta Neves matou sua namorada Sandra Gomide com tiros pelas costas. Condenado no júri a 15 anos de reclusão em 2006, somente em 2011 foi preso.
O abuso do direito ao recurso constitui claro exemplo da seletividade da aplicação da justiça. Beneficia os que podem pagar advogados e ingressam, sucessivamente, com vários recursos.
O Direito Penal tem por função proteger bens jurídicos, assegurar a paz social. A demora excessiva traz descrédito, perda da esperança, ficando ao cidadão a impressão, às vezes a certeza, da impunidade. Que a Justiça não é feita para lhe servir.
Espera-se que o STF não trilhe tal caminho, não se conduza por casuísmos, mudando seu entendimento novamente. A manobra em curso trará às ruas, indistintamente, autores de furtos e roubos, traficantes, homicidas, além de corruptos e de corrompedores.
É essencial que se assegurem as garantias individuais no processo penal. Mas dentre estas garantias não pode estar a certeza da impunidade.