Convoco o leitor a um exercício: imagine-se no seu trabalho tomando uma decisão simples, mas que, pelos fatos que você tinha na mão foi completamente equivocada. Mais, essa sua decisão causa completa injustiça que irá beneficiar quem não devia. Por incompetência ou por simples limitação da verdade, você estará cometendo um erro tão gigantesco, que será lembrado para o resto de sua carreira profissional. Nesse instante, você não gostaria de ter uma voz, com fatos e conhecimentos que você não possui, lhe "assoprando" no ouvido: "Você está cometendo um erro gigantesco, reveja sua posição!".
Creio que você respondeu sim à última pergunta. E quem, assim como eu, respondeu positivamente, é a favor do árbitro de vídeo. Essa é a essência: corrigir o erro inacreditável, o erro vergonhoso, o erro inexplicável. Faltará fluidez ao jogo? Talvez, mas acima de tudo teremos justiça.
Faltará fluidez ao jogo? Talvez, mas acima de tudo teremos justiça
LEONARDO GACIBA
Ex-árbitro de futebol e comentarista da TV Globo
Essa é a principal missão de um árbitro de futebol. Ser justo! Utilizar critérios igualitários para as equipes envolvidas, fazer com que suas decisões não sejam responsáveis pela alteração do verdadeiro vencedor.
Talvez eu tenha tanta convicção no que escrevo pelo fato de já ter passado, dentro do campo de jogo, por situações em que muito me seria útil outro ponto de vista para auxílio em minhas decisões. Não falo de lances interpretativos, polêmicos e de difícil solução, em que devemos ver as jogadas inúmeras vezes e, assim mesmo, não chegamos a um consenso. Falo de erros claros, inequívocos, em que o presidente do clube prejudicado teria vergonha de desmentir as imagens.
Lembro que a ideia do AV (árbitro assistente de vídeo) surgiu para jogadas como o gol de mão do Maradona, o gol da Inglaterra contra a Alemanha, na Copa de 2010, em que a bola ultrapassou um metro e meio a linha de gol e os árbitros não viram, ou, na mesma Copa, a entrada criminosa do holandês De Jong na partida final daquele ano sobre o espanhol Xabi Alonso, punida simplesmente com cartão amarelo. A mudança dessas decisões tornaria o futebol “chato” ou trariam justiça ao esporte mais popular do mundo?
Depois de escrever estas linhas, fico muito à vontade para falar que há muito o que andar nesse recente processo. Não gosto da forma acelerada e imediatista, quase midiática, como a Fifa e a Board estão conduzindo a formatação do protocolo que será utilizado pelos árbitros na Copa do Mundo da Rússia neste ano.
Essa é, com certeza, a maior mudança no futebol de alto nível mundial, com um investimento milionário, que deveria ser feita após um estudo muito mais aprofundado pois, lembro aos leitores, o protocolo do AV já foi modificado nove vezes nesses quatro anos de estudos e práticas, ou seja, ainda é um processo em evolução.
A cada jogo, inúmeras situações se mostram para os teóricos que pensam que o futebol pode ser feito sentado numa cadeira. Essa aceleração pode transformar um projeto fenomenal em sua essência em algo sem credibilidade para o mundo do futebol.